“Senhor, senhor, te rogamos
E rogaremos sem fim
Que caiam raios de merda
No professor de latim”
Belisario Betancur
Belisario Betancur escreveu estes versos quando tinha 12 anos de idade. Pelo atrevimento, foi expulso da escola. Mais tarde ele se tornaria presidente da Colômbia. Quem narra esse detalhe na vida de Betancur é seu conterrâneo Gabriel Garcia Marquez, Prêmio Nobel de Literatura, o qual, num artigo escrito em Fevereiro de 1993 para homenagear os 70 anos do presidente, explica assim a sua veia poética: “Na verdade ele não foi um governante que amava a poesia mas um poeta a quem o destino impôs a penitência do poder.”
Nihil Obstat. Imprimatur
Hoje não se ensina mais latim nas escolas. As línguas foram se difundindo e se misturando entre os povos, tornando-se cada vez mais complexas. À cada geração adicionam-se novos termos produzidos pelas inovações tecnológicas, novos costumes, e novas formas de relacionamento entre as pessoas. O latim, destinado a preservar a pureza das línguas que dele nasceram, tornou-se inócuo para o seu aprendizado. Seu uso está reservado aos filólogos e , bucolicamente, a citações de máximas, anexins e provérbios latinos que até hoje não encontraram tradução convincente:
“Similia similabus curantur” ... “Porta patens esto. Nullo clauderis honesto” ... “Naturam expellas furca” ... e por aí vai.
Nem por isso os esforços para preservar a pureza da língua desapareceram. Pelo menos na língua portuguesa, merecedora – ou vítima, não sei bem - de várias reformas ortográficas em menos de três décadas. De que serviram? Para ilustrar essa questão acho proponho voltar a Garcia Marquez. Em conferência pronunciada no México em Abril de 1997 intitulada “Garrafa ao mar para o Deus das palavras” ele diz, na tradução de Eric Nepomuceno, o seguinte:
“... Nesse sentido eu me atreveria a sugerir, diante dessa platéia de sábios, que simplifiquemos a gramática antes que a gramática acabe nos simplificando. Humanizemos suas leis, aprendamos das línguas indígenas, às quais tanto devemos, o muito que ainda têm para nos ensinar e enriquecer, assimilemos logo – e bem – os neologismos técnicos e científicos antes que nos sejam infiltrados sem digerir, negociemos de bom coração os gerúndios bárbaros, com os quês endêmicos, o dequeísmo parasitário, e devolvamos ao subjuntivo presente o esplendor de suas esdrúxulas. Vamos aposentar a ortografia, terror do ser humano desde o berço: enterremos os agás rupestres, assinemos um tratado de limites entre o gê e o jota e ponhamos mais uso da razão nos acentos escritos, que afinal de contas ninguém haverá de ler lagrima onde se diga lágrima, nem confundirá revolver com revólver. E o que dizer do nosso bê de burro e nosso vê de vaca, que os avós espanhóis nos trouxeram como se fossem dois e sempre sobra um?”
Essas são as sugestões de um Prêmio Nobel de Literatura a uma assembléia de sábios. Merecem reflexão. Consta que Portugal, depois de assinar a última reforma ortográfica, não a adotou. Não há registro de que suas instituições de ensino ou os meios de comunicação tenham dado a mínima atenção ao acordo. De que serviu? A quem serviu?