sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

MEU SÍTIO, MEU PARAÍSO



A pessoa que termina de ler um livro
não é a mesma que o iniciou.”

(ouvi dizer)


Foi numa livraria de aeroporto, graças a um providencial atraso de vôo, que encontrei o livro que iria mudar minha vida. Não era um livro de autoajuda, daqueles que tentam lhe convencer que você está deprimido, que a depressão é uma doença gerada pelo estresse e que pra você não se estressar você tem que ler aquele livro direitinho até o fim e que deve ler também os anteriores, e...
que.... raios... Ao contrário, este livro despertou em mim energias adormecidas, reconciliou-me com a humanidade, levou-me a descobrir a harmonia que existe na natureza, o equilíbrio do mundo animal em sua luta pela preservação da espécie, com sua linda cadeia alimentar e, benção do céu, o fascínio de uma noite estrelada sem a presença da luz elétrica, marca indelével da presença do homem.
Li-o de um fôlego só durante a viagem, e quando desembarquei no longínquo Manaus – eu havia embarcado no também longínquo Porto Alegre – eu já levava nos miolos o projeto do que seria a minha vida dali para a frente.

“Meu Sítio, Meu Paraíso” . O título do livro me fascinou. O nome do autor fugiu-me da memória. Infelizmente, porque gostaria de saber o que ele anda fazendo agora. Nesse livro ele descreve como implantou seu sítio num meio inóspito, a sua luta contra todas as adversidades superando queimadas e vencendo formigas, atravessando secas e enchentes. Ele conta, com detalhes técnicos que viriam a ser de grande utilidade para mim, como efetuou o plantio de arvores, a construção de estábulos, o preparo do solo, a formação de um lago com sua cachoeirinha. Contagiou-me. A cada etapa da leitura eu vibrava e torcia por ele. O calor com ele descreve a cena da inauguração do lago que acabara de contruir, com champanhe e tudo, ao lado dos filhos e da esposa orgulhosa, então, encheu-me de lágrimas. Eu entendia isso. Era o seu sítio. Era o seu Paraíso!

Tratei de desincumbir-me o mais rápido possível do meu trabalho em Manaus e voltei correndo, quero dizer, voando.
Eu também daria aos meus filhos, ainda pequenos, e à minha esposa, ainda orgulhosa, essa alegria. Eu daria às crianças o seu cavalinho e, à esposa, as galinhas de que precisava para fazer seus ovos a-la-cock sem hormônios nem antibióticos. E, para mim, isto sim, concederia a glória de sentar-me britanicamente no fim das tardes , à sombra de um flamboyant, com meu gin tonic na mão, acompanhado de finíssimos canapés de pepino.
Saí à procura de um terreno. Encontrei o lugar, não muito distante da cidade. A topografia era perfeita: uma grande área plana, duas colinas em forma de meia laranja, uma pequena casa de madeira e, o mais importante, um riacho suficientemente caudaloso que permitisse a formação de um lago, ponto nuclear para unir a atividade agro-pecuária ao lazer. Com ele eu irrigaria as culturas, criaria peixes e, por que não, colocaria um barquinho para divertir as crianças.
Escolhi o ponto ideal para a barragem. Feitos os cálculos encomendei os materiais. Tudo pronto para começar a obra. Contratar um pedreiro? Não é necessário, tenho energias de sobra. Basta-me um ajudante que prepare as ferragens para o concreto e o Édio, meu recém contratado e já fiel caseiro que, apesar de cego de um olho, enxerga mais do que o chefe da repartição onde trabalho.
Mãos à obra e em pouco mais de seis meses a barragem estava pronta. O lago começou a encher. Quanta alegria! Acompanhar hora a hora, dia a dia, aquele processo lento da subida das águas, torcer para que caísse muita chuva, apostar com os filhos quem acertaria o nível da água no fim de tantos ou quantos dias, pesquisar se havia algum vazamento na barragem, descobrir se alguém estava desviando água rio acima, só quem viveu isso pode entender a satisfação que estas coisas proporcionam.
Gastei um pouco mais do que havia calculado, isto é , um pouco mais do que o dobro do que havia calculado, é verdade, mas o que é isso em comparação com o privilégio de contemplar aquele espelho d’água nos fins de tarde com meu copo de gin tonic na mão? Despesas? Ora, despesas...
Era tempo de preparar o bosque e o pomar. Espécies nativas: jacarandás, ipês, sibipirunas, aroeiras. E eucaliptos, muitos eucaliptos, aquela árvore milagrosa que veio da Austrália tão distante, indispensável para fabricar o carvão do churrasco. Preparei as sementeiras para os eucaliptos, e busquei nos hortos florestais as mudas para as demais árvores e fruteiras.
Das sementes nem todas germinaram e, das mudas, várias morreram, fosse pelos traumas sofridos durante a viagem, fosse pelo tempo que tiveram de esperar até serem plantadas. Claro, tudo tem sua vez. Mas consegui aproveitar quase a metade das plantas, o que não me deixou desanimado.
Chegou a vez da criação. Primeiro as galinhas. Disso cuidou o Édio que, com seu olho clínico, - mesmo sendo um só - sabia até quais eram as galinhas que poriam ovo naquele dia. Depois vieram as abelhas e disso eu mesmo cuidei, pois não podia me arriscar a perder o caseiro. Coisa linda, as abelhas! Que exemplo de laboriosidade com suas regras espartanas de consumo e seus padrões éticos de convívio! As muitas picadas que eu levava só faziam retemperar a minha disposição para o trabalho, ao qual eu me entregava com fúria redobrada.
Por fim vieram as cabras, introduzidas graças ao conselho de um diligente vizinho o qual me garantiu que elas manteriam o sítio roçado e assim eu economizaria na mão de obra para as capinas. Ele estava certo porque a partir dalí nunca mais vingou uma folha de grama naquela terra. As cabras roçavam também a parte inferior das fruteiras, ou seja, até onde alcançava o seu incrivelmente elástico pescoço. Não sobrava fruta. Assim, as laranjas, goiabas, carambolas e jabuticabas disponíveis passaram a ser colhidas com a ajuda de uma escada, o que aumentava ainda mais o nosso entretenimento. E eu achava engraçada a habilidade com que aquelas rústicas criaturas cuidavam do seu próprio sustento. E também pouco me incomodava se elas, com admirável virtuosismo, burlassem a cerca da horta para triturar couves e repolhos, pois isso me dava a oportunidade de estudar e desenvolver cercas cada vez mais seguras.

“Meu Sítio, Meu Paraíso”. Como eram agradáveis aquelas noites insones em que eu me debruçava sobre as plantas topográficas esquadrinhando o melhor percurso para abrir trilhas, localizar possíveis ninhos de cobras, esse ingênuo
Animal tão vilipendiado pelo homem, que nunca ataca ninguém a não ser que seja ameaçado, ou então esteja faminto, coisa freqüente na aridez daquela terra sáfara e maninha. E a emoção que eu vivi ao lado dos meus filhos ainda pequenos e da minha esposa ainda orgulhosa, quando voltamos do sepultamento da nossa cadelinha Chispa, atacada por um enxame de abelhas africanas que famintas, coitadas, invadiram o nosso apiário, na maior pilhagem da História depois do Rapto das Sabinas. Ninguém conseguiu conter o pranto pelo resto da noite. Foi aí que eu compreendi como é frágil a alma da gente.

“Meu Sítio, Meu Paraíso” . Lamento, mais uma vez, ter esquecido o nome do autor. Gostaria de agradecer-lhe pela felicidade que me proporcionou com a leitura do seu livro durante as quatro horas que durou aquela viagem e que gerou todos estes anos de fortes emoções. Gostaria de agradecer-lhe por tudo o que aprendi: vencer dificuldades, superar obstáculos, afastar o desânimo e tolerar a vingança da natureza quando ela é desrespeitada, como quando, por exemplo, fiquei atolado na estrada cheia de lama e insisti em atravessar assim mesmo, só porque eu tinha que voltar ao trabalho no dia seguinte, e fui obrigado a chamar dois tratores para me tirarem do atoleiro, o que, por sua vez, me custou quase o preço do carro atolado.
Bem, o tempo foi consolidando o meu amor por aquela terra que me consumia as entranhas. A certa altura as crianças começaram a mostrar enfado no seu contato com a natureza. O orgulho da esposa foi se transformando em comiseração. Eu ainda continuei com minhas tardes contemplativas à beira do lago mas fui substituindo, aos poucos, o gin importado por um gin paraguaio, depois por um whisky nacional e, finalmente, por uma caipirinha feita com a cachaça Jacutinga, a preferida de todos os caseiros que conheci na região, esta sim, pelo menos, uma bebida autêntica. Minha esposa, de tanto comer ovos a-la-cock sem hormônios nem antibióticos tomou tal enjôo por aquele alimento mágico que passou a distribuir os galináceos gratuitamente nos terreiros de candomblé.
Animado pelas caipirinhas e pelas lembranças do livro inspirador, responsável por tantas aventuras e momentos de enlevo, tomei a decisão de também escrever, não um livro, que a tanto não me arvoro, mas esta modesta crônica, que eu quero que se chame: Meu Sítio, Meu Prejuizo.
Luigi Spreafico

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vestígios


Deixo-a no portão de embarque do aeroporto Tom Jobim. Antes de sair do carro, nos despedimos com dois beijinhos e fico a observá-la andando com seus passinhos curtos e elegantes. Não é alta, nem baixa. Conserva o corpo esguio, a custa de muita ginástica, e os cabelos sedosos balançam sem esforço. É uma bela mulher de 54 anos.
Somos amigas há muitos anos, como irmãs, confidentes de sentimentos e segredos íntimos. No entanto, por um defeito da história, temos personalidades quase totalmente diferentes. Algum dia, o destino quis que nos encontrássemos e que desafiássemos a ordem das afinidades em comum, da mesma filosofia de vida, que permeia as grandes amizades. Preferimos declinar para o lado da física que preconiza que os opostos se atraem, assim seguimos, quase uma vida inteira.
Raramente, nos aconselhamos, pois de nada adianta, já que o certo de uma, é sempre o errado da outra. No entanto, o desabafo e as (in)confidências das duas é o elo do nosso companheirismo. Sabemos escutar e calar quando convém. Uma a outra. Também discordamos em quase tudo e brigamos, mas sabemos perdoar, pois estranhamente, assim nos entendemos.
Há tempos fomos morar em cidades separadas e isso nos causou uma grande angústia. Mas, graças a tecnologia e a facilidade de deslocamento da contemporaneidade, estamos sempre em contato.
Alguns anos mais velha que o marido, apesar de não parecer, minha amiga é extremamente ciumenta, e isso muito me incomoda. Desta vez que veio me visitar estava muito mal, pois mais uma vez, tinha “certeza” que ele a estava traindo com outra. Todos os indícios que me revelou, como sempre, não tinham o menor comprometimento com a sanidade. Aquela ladainha de suposições sempre me cansam, mas eu a escuto com paciência, pois, no seu íntimo, são verdades que insistem em assombrá-la. E o marido apaixonado sofre, mas se chateia.
Resolvi então contar-lhe um fato que sucedeu comigo, para que tentasse entender que nem sempre aquilo que pensamos ver, é vestígio da realidade.
-Margô ! Imagine eu andando pela rua com meu filho pequeno e meu marido numa tarde de domingo.
-Quando, de repente um numa janela de primeiro andar de um edifício, um rapaz de uns vinte e poucos anos, porte atlético e sem camisa faz – “Psiu, Psiu” pra mim.
Ela me olhou na expectativa do que eu iria falar.
- Olhamos os três para cima. Então, o rapaz primeiro acena, depois faz um gesto com a mão indicando que um de nós três cortou o cabelo. Finalmente com o polegar faz que ficou ótimo ! Termina dizendo, em mímica “ Passa lá” !
Minha amiga nesta hora já não agüentava de tanta curiosidade pra saber do que se tratava e eu continuei.
- Margô ! Eu tinha cortado o cabelo. Um dia antes. Meu marido não conhecia o rapaz e meu filho ignorou-o solenemente.
- Eu te pergunto, o que você faria se fosse meu marido ?
- Eu pulava em você e arrancava os seus cabelos. Disse ela com um riso nervoso, mas inquieta.
Então, deixa eu te contar a verdadeira história. Aquele era o professor de futebol do meu filho, quando ele era bem menor e usava cabelos compridos até os ombros. O rapaz gostava de brincar para que os cortasse e tinha muito carinho por ele, por ser o mascote da turma. Depois de umas férias, não voltamos mais e meu filho passou a fazer futebol em outro local.
- Oh, mas que coisa mais bizarra ! Disse ela.
- Mas porque seu filho então, ignorou-o solenemente ?
- Ele, simplesmente, por ser muito mais novo, não reconheceu o professor de que tanto gostava.

Creio que aliviei um pouco aquele coração assustado. Mas, mesmo assim, quis voltar logo para a sua cidade, a fim de não deixar o marido muito tempo sozinho.
Ciúmes...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O céu é o limite


Auto-estima é a capacidade de sentirmos a vida, estando de bem com ela.


O céu é o limite para quem está disposto a aumentar a auto-estima. Exagero meu, nem o céu é o limite.

Com toda sinceridade eu nem sei muito bem o que é auto-estima. Só sei que nunca ouvi meus pais falarem sobre este assunto. Será assunto tabu, tipo sexo? Quanto mais para trás eu olho, menos eu me lembro, de ouvir alguém falar em melhorar ou piorar a auto-estima. Na minha infância toda não conheci criança que tivesse baixa auto-estima. Será que éramos felizes e não sabíamos? Será que eu tinha ou será que a minha era baixa. Como se mede a auto-estima de um indivíduo?

A mídia nos brinda com cada vez mais produtos para melhorar a nossa auto-estima? Vale tudo: cremes antirrugas, carro do ano, cigarro, tintura para cabelo, bolsa nova, emprego novo, xampu, cueca, lingerie, refrigerante light, pão sem glúten.

Andei pesquisando o que é autoestima (que agora perdeu o hífen, só espero que não tenha perdido a própria). Uma das conclusões a que cheguei foi que para ter autoestima é preciso ser magro e na impossibilidade de ter um corpinho seco e malhado, ser um gordo feliz. Pelo menos a maioria dos produtos direcionados aos gordos , prometem melhorar a autoestima (não aguento mais repetir este nome, será que não tem um sinônimo para esta bendita palavra?).

Moro num bairro de verdade. No meu bairro tem padaria, bar, açougue, banco, mercadinho, supermercado, birosca, igreja, posto. No meu bairro tem de tudo. Até coisa moderna. Tem lan house, pet shop, hortifruti, 2 centros culturais, 3 shoppings, inúmeros cafés, além de muitos cinemas “plex”.

Quando estou me sentindo um pouco triste, saio às compras. O que na verdade uso como pretexto para uma voltinha pelo bairro. Arrumo o cabelo bem bonito, esticado e preso atrás num rabo de cavalo. Uso vestido florido, para espantar a tristeza e esconder as vergonhas. Na boca baton rosa claro, discreto, sandália rasteirinha nos pés e minha inseparável sacola “eco”.

O elevador pára, no sétimo andar, e entra minha vizinha do 703. Dona Iolanda tem sempre um elogio para mim. Já falou do meu corte de cabelo, do tom da minha voz, da minha pele, outro dia elogiou meu colo! Hoje, falou do tom do esmalte, que cai muito bem com meu tom de pele! Sempre que o elevador para no sétimo andar, uma sensação de paz me invade. Sei que dona Iolanda vai estar com um sorriso no rosto e vai me falar algo agradável, por mais simples que seja.
.
Na portaria seu Mineiro, o porteiro da noite, me aguarda ansioso com uma muda de camomila, nas mãos, há muito prometida.

-Um quilo de patinho por favor!

- Há quanto tempo não a vejo dona Liz, pensei que tivesse virado vegetariana! Seu Agenor, o açougueiro elogia meu vestido florido. Troco dois dedos de prosa com ele. A família vai bem, a senhora dele, embora fazendo hemodiálise, tudo bem!

Na praça, o vizinho, do prédio ao lado, leva a cachorrinha poodle para tomar sol. Quando me vê, abre um largo sorriso.

Usando a camisa do nosso time que levou uma surra no domingo. Acena para mim e grita parecendo não se importar com a derrota.

- Saudações tricolores!

E, assim, um dia após o outro, vamos vivendo e envelhecendo cordialmente.

E a autoestima? O leitor me pergunta. Sei lá, não penso nisso, vou vivendo do jeito que dá.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Família Felina





Essa é a minha família felina: Mel (a dama), Rum (o vagabundo) e filhotes. A branquinha é a Pinga!

Nada de novo, ou há?


Ando sem inspiração. Completamente. Sento em frente ao micro e nada. Começo um texto e não saio do lugar. Devo ter uns três ou quatro começados, mas acabam ficando por isso mesmo. Já culpei o campo minado, maldito jogo inútil que vem pendurado nos pacotes da Microsoft. Depois achei que o problema está nas coisas que ando estudando, não inspiram nada além de números, fórmulas, definições, e por aí vai. Nada muito criativo. Atualmente culpo ter me tornado avó de três lind@s gatinh@s.

Para quem não sabe sou louca por bichos. Sempre os tive em casa, na casa dos meus pais, melhor dizendo. Quando me casei o ex nem quis pensar na idéia de bichos. Na época concordei, jovem casal sem filhos que éramos. Mas aí nasceram as crianças, crianças combinam com bichos, e confesso que aos poucos foi batendo uma enorme saudade de conviver com não humanos. Até que não resisti e trouxe a Mel para casa.

Mel é uma gata persa, linda de morrer, comprada quando tinha seis meses. Paixão à primeira vista, super arredia, altiva, do tipo que não dá bola para ninguém. Mas doce como mel, quando se consegue chegar perto. Não preciso dizer a alegria das crianças, nem que foi comprada às escondidas do ex. Um dia inteiro de excitação e inúmeros telefonemas para o meu celular, até que meu carro finalmente entrou na garagem trazendo a caixinha preciosa.

Carnaval de 2009. Já separada, voltava para casa com uma amiga quando nos vimos seguidas por um projeto de gato. Não tinha muito mais do que um mês, saltitava sobre o muro da igreja no caminho, chamando atenção, como faz até hoje. Na hora pensei: tô fodida. Se sóbria não resistiria, depois de umas quatro caipirinhas seria missão impossível. Assim nasceu o Rum, vira-lata legítimo, puro sangue que, nesse exato momento, dorme em cima da mesa da sala, tentado apoiar a cabeça nas mãos que escrevem o texto. Rum porque é macho, senão seria Pinga, o que, cá entre nós, faria muito mais sentido. Meu gachorrinho, gato com alma de cachorro, minha sombra listrada.

Rum fez um ano agora. Como não sei a data do seu nascimento decidi que nasceu no carnaval. O que não seria de todo impossível, uma vez que tem o espírito de Momo: alegre, adora uma bagunça, sem preconceitos, dá bola para todos e todas. Tem novidade por perto, lá está ele. Nem sei se Momo é assim, mas é o que imagino. Depois de um tempo brincando de "mâe" e "filho", Mel e Rum tornaram-se amantes. E o resultado foi que na quarta-feira de cinzas nasceram seus filhotes, ao que tudo indica dois meninos e uma menina: Whisky, Vodka e Pinga. Naturalmente seus pais e mães adotivos poderão escolher outros nomes, quer dizer, para os dois meninos, porque a Pinga já é nossa.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mais parabéns


Claudinha, não dá para competir com os textos do Severacana e da Paçoquita, mas é só para dizer: parabéns. Imagino que esteja rindo a toa pela volta dos "meninos" no seu aniversário, então é isso mesmo, curta tudo o que tem direito. A foto é o meu presente para você. Não é da minha neta, a minha é recém nascida, mas é linda, linda.
Beijo
M. S. Noronha ea Trupe do Depois

Parabéns do Mestre Severino Canabrava


CLAUDIA FAZ MEIO SÉCULO

Nossa colega Claudia completa meio século de idade. A primeira a usar esta expressão foi a própria Claudia e a isso me atenho. Por que completamos séculos? Porque século é uma unidade de medida de tempo. É um múltiplo do ano, do mês, do dia, da hora. Tal como o mês e o ano, o século é uma medida imperfeita, visto que o mês não tem sempre o mesmo número de dias e o ano os teria, não fosse o ano bissexto.

Para sermos exatos, portanto, podemos dizer que nesta data Claudia está completando “aproximadamente” meio século e que, em breve, estará chegando à meia idade.

Eu notei que existem várias maneiras pelas quais as pessoas anunciam que estão completando anos, segundo o temperamento e o estado de espírito de cada um. Em geral escolhem estações climáticas para substituir a palavra “anos” ilustrando, dessa maneira, como o tempo pesa em suas vidas.

O otimista diz sempre: “Estou completando 50 primaverinhas”, como se o uso do diminutivo tornasse mais curtos os anos vividos.

No extremo oposto, o pessimista declara, como se estivesse prestando depoimento num tribunal e implorasse clemência: “Atravessei 50 invernos de lutas e trabalho árduo...” Quando escuto isso eu leio nas entrelinhas (ou devo dizer ouço nas entrefalas?) o seguinte: “Os dias, para mim, são mais curtos, meu trabalho é mais pesado e eu estou cansado de ganhar de presente somente pulôver, cachecol, e pantufas de lã”.

Se eu fosse um carioca afobado diria: “ Vou completar 50 verões. Não agüento mais esta fornalha administrada por capetas de rabo incandescente. Vou-me embora para a Groelândia e nunca mais completo anos”.

E os outonais? Veja este, com sua fala arrastada: “Completar cinqüenta outonos ... foi ... para mim ... uma benção. Passei a vida ... contemplando folhas que caiam ... uma a uma, deixando ... um tapete amarelo .. a espessa neblina....”

Deixa pra lá. Falar da idade é uma chatice como outra qualquer. Porque, como disse José Olympio, o editor, e com ele concordava anos depois, Carlos Drummond, o poeta, “a velhice é uma merda”. Ignoremos os cumprimentos escatológicos trocados pelos dois mestres, que não ficariam bem aos adolescentes da Oficina, jovens em formação, e passemos a festejar o aniversário da nossa querida Claudia. Queremos festejar com ela a jovialidade, sabedoria, prudência, amor fraternal e tudo o mais que ela nos proporcionou durante este curto e profícuo convívio.

Sob o comando do nosso Mestre-Cana Noronha, coadjuvado pelo recém incorporado Caninha, seu modesto porta-bandeja, brindemos levantando as taças e as vozes:

Parabéns, Claudia! Evoé Venus! Evoé Baco!

Severino Cana Brava

Parabéns!

Brilho eterno de uma mente sem lembranças

Querida Cláudia,
seus amigos do Depois da Oficina te desejam muitas felicidades!
Luigi deixou este recado:
Querida Claudia:
Parabéns por completar meio século de vida. Lembro-me de quando completei o meu.
Eu achava que nunca iria morrer. Estou perto de completar o segundo e não mudei de opinião.
Faça o mesmo. Vale à pena.
Paçoca disse:
Querida Cláudia: Faço minhas as suas palavras: "quando crescer quero ser igual a você!" Doce, meiga, e uma sensível escritora. Beijos sujos de Glacê!
Moniquinha já andou dizendo os parabéns e combinando o choppinho de quinta em outros posts, mas também assina est post.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

XÔ DISTIMIA !




Acabei não aparecendo no chope de quinta-feira e fiquei sem saber que estória é essa de distimia do Severino. Antes de olhar no dicionário pensei que deveria ser coisa importante, não por causa do nome, que claro, tem lá sua beleza , mas por achar que meu amigo não se prestaria a escrever uma crônica tão completa, tão profunda se não fosse realmente por um assunto que despertasse um grande interesse, ou uma comoção muito grande na galera.
Após uma pesquisa minuciosa no pai dos burros virtuais, o Google, não é que descobri que falaram de baixo astral ? Entre uma cervejinha e outra, será que resolveram fazer um Manifesto Contra os Chatos ? Deveras...deveras...

Então vou logo confessar uma coisa, que todo mundo que me conhece já sabe, sou mesmo a Elizalinda. Entrei lá no blog da Oficina para botar pra quebrar. Queria fazer uma coisa diferente com aqueles comentários. Algo mais polêmico, cheio de farpinhas pra lá e pra cá, já que só com as duas crônicas, que tínhamos direito no curso, ninguém ia poder se divertir mesmo.

Começar esculhambando o tal Manifesto ia ser de bom tamanho e quem viesse falar qualquer coisa, ia levar bala.

Pensei sim, pensei não. Arrepio ou não ? Arrepiei. Mas acho que me faltou talento. Ficou um tal de pedidos de desculpas pra lá e pra cá, tanta explicação do dito pelo não dito. Eu mesmo acabei me rendendo aos bons modos, que trago de berço, e por mais que me esforce em ser badgirl, na hora H pulei fora. Que embuste !

Na segunda aula, quando vi o Severino dormindo de tédio do meu lado, não resisti. Os diabinhos começaram a dançar de novo no meu cangote e lá fui eu entrando de sola nos comentários, para barbarizar e ver se meu amigo se animava um pouquinho. Faltou o talento de novo, eu acho.
Meu amigo, além de abster-se de qualquer comentário, ignorou solenemente minha crônica e ainda preferiu ir fuxicar a Madona.
Fiquei me achando a pior pessoa do mundo, solitária e com a explicação comprida da colega, que não me convenceu, mas que respeitei.

Desisto, Elizalinda morreu ali mesmo naquelas duas aulas. Morreu como nasceu, sem modos e sem talento. Coitada !

Acabou o workshop, acabou o Carnaval, sábado faço 50 anos e os meninos estarão de volta !
Estou feliz ! Que bom voltar pra casa !

Claudia Bontempo







MADONNA RIDES AGAIN


“Madonna arrecadou US$ 12 bilhões no Brasil”
Chamada na 1ª página do “O Globo” de terça feira de Carnaval, 16 de Fevereiro de 2010.

Quem não se lembra de “Madonna está no Rio, Madonna Mia!”, aquela da orgia gastronômica entre sushis e sashimis? Pois é, ela voltou a atacar no Rio de Janeiro enquanto foliões desavisados se esbaldavam em suas fantasias baratas e eram encarceirados por mijarem na rua. Com uma simples casquinha daquela soma Madonna poderia ter distribuído pela cidade algumas centenas de penicos, contratados às pressas. Nossas Organizações Tabajara estão aí para isso.
A notícia interna, na página 10 do jornal, esclarece:
“ A sacolinha pop – Madonna retornou ontem aos EUA depois de arrecadar com brasileiros, de novembro para cá, exatos US$ 12 milhões para sua ONG, Sucess (sic) for Kids. Entre os doadores, estão Eike Batista, com US$ 7 milhões, o banqueiro Luís Octávio Índio da Costa e a AmBev, ambos com US$ 1 milhão.”
Epa!
Mil vezes menos! Cadê o resto?
Entre a página 1 e a página 10 do jornal sumiram, exatamente ,
US$ 11.988.000.000,00!
Esqueçamos a “barriga” em que O Globo se meteu, que é problema dos seus acionistas. A notícia prossegue com detalhes riquíssimos - pudera, com essa dinheirama toda - sobre a distribuição da farofa:
“No caso de Eike, a ONG recebeu US$ 500 mil cash. Os outros US$ 6,5 milhões vão para um fundo de saques controlados. O acordo com a AmBev tem uma cláusula negociada por Sérgio Cabral, que trouxe a cantora para o Carnaval: a ONG terá de aplicar o dinheiro no Rio.”
Arrisco-me a explicar que os 500 mil cash equivalem ao “pocket money”.
que os executivos das grandes empresas recebem para gastar com “peanuts”. Quanto aos 6.5 mi sabemos que serão aplicados no Rio através de “um fundo com saques controlados”. Que os saques serão controlados não existe a menor dúvida. Nenhum caixa de banco deixa sair um tostão que não seja registrado.

Se o dinheiro é do Eike, e ele o deu pra Madonna ou a sua ONG, vá lá, ninguém tem o direito de perguntar o que fizeram com ele. Mas, então, por que o governador se meteu e obrigou a pobre Madonna a aplicá-lo no Rio? Vamos apostar onde a Madonna vai aplicar US$ 6,5 milhões no Rio?
Alguma sugestões: bolsa de valores; exploração de petróleo; produção de alface orgânica; implantação de escolas de esgrima para crianças faveladas; instalação de mictórios grátis, com ar condicionado e conexão de internet; construção de uma roda gigante, muito gigante, no topo do Pão de Açúcar para que o Rio possa ser contemplado pelas crianças pobres da costa da África, suas protegidas.
Mijões do Rio, rebelai-vos! Fazei um” up grade” na vossa transgressão para que seja realmente digna de cadeia. Além do mais li no mesmo jornal que um mijão foi humilhado porque uma moça viu o seu bilau e saiu gritando para todo o mundo que era pequeno, no que todos o vaiaram. Isso não se faz. Já não bastava a prisão?
Como dizia minha avó: Oh! Têmpora, Oh! Mores.

Severino Mandacaru

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Encontro de Carnaval

- Eu sou distímico
- E daí ?
- Você é distímica
- E daí ?
- Nós vamos brigar
- E daí ?
- Você vai chorar
- E daí ?
- Você vai sofrer
- E daí ?
- Eu não vou te amar
- E daí ?
- É muita distimia
- E daí ?
- Então tira a roupa

Severino Mandacaru

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Uma Palavrinha Para Mim


Travo uma luta eterna com as palavras quando escrevo, algumas. me são solidárias, outras , como meninas inconseqüentes, escapam da minhas mãos, em queda. Quando nos acertamos, sou capaz de textos práticos, consoladores, profundos ou até autoritários.
Tento me enturmar em seus meandros, buscá-las ao meu redor, interceder por elas, submissa e apaixonada que sou por seus poderes de sedução.
Palavras podem exprimir tudo quando bem empregadas, ou nada quando deslocadas, e esta eterna escolha entre o sim e o não – o que escrever ou falar aqui, o que não escrever ou falar acolá – me embriagam de satisfação e desejo de tentar colocar e recolocar cada vocábulo em seu devido lugar.
Somando-se a posição que devem estar para serem consideradas gramaticalmente corretas, ainda carregam o sentimento que vem lá do nosso âmago, todo ciclone, exasperado ou simplesmente tranqüilo e claro, límpido.
Bem posicionadas, finalmente, no papel, na tela do computador é a hora de apará-las, recortá-las, ampliá-las, expandi-las e ainda acrescentar-lhes os apêndices, que são as vírgulas, os pontos variados, as reticências...
Então, quando pensamos que finalizamos a tarefa, satisfeitos ou quase, pelo resultado obtido, lançamos ao léu para que o mundo entenda a nossa mensagem.
Pois aí é que nos enganamos. Assim como travamos uma luta com nossas palavras, quem nos lê, tem lá também as batalhas com as suas. Portanto o que é tão claro para nós, parece obscuro para o outro. Uma palavra que demonstra meu sofrimento , é tão pândega para alguém, ou o que escrevo rindo o leitor lê chorando.
Me dou conta então, que o importante é amadurecermos as nossas próprias convicções sobre a beleza e a adequação das nossas palavras, afinal, se é arte escrever, é arte também ler o que o outro escreve.
Afinal as palavras nunca serão de ninguém, ao contrário, são livres e independentes a espera de quem queira alcançá-las.
Como dizia o poeta, lutar com palavras é a luta mais vã.

Claudia Bontempo

JORGE PUERRALOCA , Esquire

Jorge era argentino. Estava radicado no Brasil, há quatro anos. Radicado é um modo de dizer porque as raízes dele não passavam de uma nesga de musgo ao redor dos pés, o que não daria para sustentar nem um pé de salsinha. Mas ele vivia aqui e apesar desse tempo todo convivendo com os nativos, não conseguiu aprender uma só palavra de português, não se sabe se por incapacidade ou por indústria.
Jorge tinha tanto medo de ser considerado descendente de italianos, como é a quarta parte da população argentina, que fez juntar ao seu nome o tratamento usado pela nobreza britânica: Esquire. Nobre ou não, soube-se mais tarde que em Buenos Aires ele era chamado simplesmente de El Pelotudo.
Trabalhávamos na Fábrica Bangu, a velha e então famosa fábrica de tecidos que fazia desfiles de moda no Rio e em Paris, onde apresentava seus figurinos de puro algodão, desenhados pelos melhores estilistas , e seu organdi, único no mundo. Ser técnico da Bangu, naquela época, era quase como ser artista da Globo hoje. Era nesse ambiente refinado, cruzando com modelos lindíssimas, que Jorge desfilava seu charme escudado sempre atrás do seu indisfarçável castelhano italianizado. Por isso mesmo, e apesar do Esquire que lhe chegava em toda a correspondência, ele não escapou de ficar conhecido como Jorgito Puerraloca.
Além dos famosos tecidos, a Bangu produzia também jogos de futebol. Tinha criado o seu próprio time, sempre na primeira divisão. Tinha seu próprio estádio. A exemplo das universidades americanas, onde seus ídolos esportivos não precisam estudar para serem promovidos de ano, a Bangu dispensava do trabalho os seus craques que, claro, constavam da folha de pagamento. E foi aí que Jorge deu sua primeira mancada ou na sua própria língua, “metió la pata”.
No início do expediente, logo após marcarem o ponto, dois fiandeiros se apresentaram com um bilhetinho na mão para que ele assinasse a permissão de saída.
“Que? Estais borrachos, vos?
“É que nós precisamos sair para treinar. Vai ter jogo no sábado”
“Que? Para jugar a la pelota? Coños! Que se vuelvam a su trabajo y no me vengam mas con guevadas!”
E assim os dois foram despachados de volta ao seu trabalho, em nome da ordem, da disciplina, da dignidade, das boas práticas administrativas, uma empresa de capital aberto deve explicações aos seus acionistas e... tudo de acordo com o que o estudioso Jorge havia aprendido na escola.
Cinco minutos depois o telefone toca. Era o Silveirinha, diretor presidente, o grande empresário que havia construído aquele império que era a Companhia Progresso Industrial do Brasil.
“Escuta aqui, seu portenho maluco! Você quer acabar com a minha fábrica?”
“Em pleno Campeonato? Solta logo esses dois e daqui a dez minutos esteja na minha sala.”

A habilidade do Jorge para lidar com homens e máquinas nunca foi reconhecida na Bangu. Pudera! Suas verdadeiras habilidades se revelariam pouco tempo depois. A verdadeira vocação de Jorge Puerraloca, Esquire era lidar com cifrões.
Quando resolveu visitar a família em Buenos Aires, Jorge fez as contas. As passagens aéreas, naquela época eram caras, se comparadas aos outros meios de transporte. Jorge descobriu que fazendo o trecho Rio – São Paulo em ônibus economizaria bastante. Portanto comprou a passagem São Paulo-Buenos Aires, ida e volta. Faria o resto em ônibus, embora isto lhe custasse dois dias de viagem.
A ida foi normal. Na volta o aeroporto de São Paulo estava sem teto e o avião passou direto aterrissando no Rio. Qualquer pessoa que estivesse no lugar do Jorge teria ficado feliz; ganhara uma passagem São Paulo-Rio, além do tempo correspondente à viagem de ônibus. Mas não o Jorge. Começou a esbravejar ainda dentro do avião. Quando desceu, a notícia da sua fúria já havia chegado aos comissários de terra.
“Mijones de dólares me hacen perder estos cabrones. Yo tenía que estar em San Pablo” Que voi a hacer, por Dios!”
“Senhor, por favor, acalme-se. Vamos acomodá-lo em um avião que sairá dentro de meia hora e descerá em Congonhas. Lá o teto está aberto.”
Apanhado de surpresa, Jorge não se intimidou:
“Que? En esta condicion? Estas chiflado, che? Estoy aturdido, completamente traumatizado, imposible viajar en estas condiciones, ustedes no tienen alma, no, no, me pongam en um hotel, ustedes tendran por aí un Hilton qualquiera Que? Hotel Nuevo Mundo, no, no, estas loco, por favor, yo no soy ningun epiltrafa, y a lo demás... como? Copacabana Palace? Si, esse está bien.”
E o Jorge comeu e bebeu, e deitou-se nos finos lençóis de linho do Copacabana Palace às custas da Panair do Brasil e engrossou, com suas mijadas, o fluxo da cloaca massima do Rio de janeiro.
Quando Jorge me contou essa história eu imaginei que nesse ponto ele se considerasse realizado e feliz. Nem a mente mais engenhosa conseguiria encontrar uma forma de extrair mais leite daquela pedra. Eu ainda não o conhecia. Na manhã seguinte, Jorge Puerralocas, Esquire apresenta-se no balcão da Panair:
“Che, mirà, he resolvido mis problemas por cable, anoche. Perdi um montón de plata y ahora tengo que quedar-me acá . Ustedes me emiten un boleto Rio- San Pablo com fecha abierta y todo queda arreglado, como? si, si está bien, muchas gracias, saludos a todos.”
E assim Jorge ainda acrescentou alguns trocados ao seu patrimônio quando nem Belzebu imaginaria que isso fosse possível.
Eu sei que o que vou dizer nada tem a ver com o Jorgito, mas não me contenho:
Sempre achei que o Brasil deveria invadir a Argentina para seqüestrar o queijo parmesão deles. É muito melhor do que o nosso.

Luigi Spreafico

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Vinhos?



Já vai longe o tempo em que bebíamos vinho. Hábito de séculos passados. Em tempos modernos ou pós-modernos bebemos uma boa relação custo benefício.

Quando eu era criança em almoço de domingo ou dia de festa, meus pais serviam vinho. Na época, que não está tão distante assim, o vinho podia ser: bom ou ruim, seco ou suave, caro ou barato. Os tintos eram bebidos no inverno, no verão brancos ou roses. Os que tinham bolinhas eram do tipo champagne e, geralmente eram servidos com bolo de casamento de gente rica. Em casamento de gente pobre, servia-se uma sidra mesmo.

A classe média de então bebia principalmente vinhos da Península Ibérica. Os menos abastados bebiam o popular Sangue de Boi, que vinha em garrafões de cinco litros.

Os vinhos tintos acompanhavam carnes, os brancos peixes e pronto, não se falava mais nisso.

Geralmente o pai abria a garrafa (uma) e servia em taças próprias.Ainda não existia o termo reciclar (nem tampouco a necessidade), mas não era raro encontrarmos um abajur cujo corpo era feito com uma garrafa de vinho.

Nome de uva para mim, só na feira: Itália, moscatel ou rosada e todas tinham caroço.

A Austrália não existia a não ser pelos cangurus. A África do Sul vivia a tristeza do apartheid, não participava nem de olimpíadas, quiçá sediar uma Copa do Mundo? A Califórnia plantava laranjas, criava surfistas e era o sonho dourado dos amantes de cinema. O Rio Grande do Sul tinha apenas gaúchos de bombachas que bebiam chimarrão. A Argentina um adversário no futebol. Chile, um país que abrigava nossa esquerda perseguida política. O mundo do vinho cabia como se pode ver em um parágrafo, no máximo dois.

Não faço o estilo saudosista-reclamão, mas não posso deixar de observar que antes era bem menos complicado. Chegava no restaurante e pedia um vinho o garçon trazia e servia. Na delicatessem (não existiam delicatessens), na loja importadora de bebidas, o indivíduo entrava, escolhia uma garrafa pagava e ia embora. Se o dono fosse um apreciador de vinhos, trocava dois dedinhos de prosa, oferecia um queijinho para degustação e era tudo.

Mesmo com tão poucas opções naqueles tempos de proibições, meu pai, amante de vinhos, tentava nos ensinar como apreciar um bom vinho. À mesa nos falava de bouquet, corpo, lia o rótulo de fio a pavio, nos ensinava o que queria dizer cada coisa escrita. Eu não me interessava pela história do vinho, mas gostava quando papai nos dava uma fatia de um bom queijo e nos fazia tomar um gole de vinho.

A indústria do vinho, no Brasil, tornou-se um negócio bastante lucrativo. Os novos apreciadores estão sedentos de produtos. Querem comprar a todo custo a tradição européia. Quase como se bebessem todo o vinho degustado no velho mundo desde o início dos tempos. Livros, cursos, termômetros, taças, viagens eno-gastronômicas, confrarias, não são suficientes para saciar a sede destes antigos bebedores de pinga.

Dia desses quis comprar uma garrafa de vinho para um amigo. Fui a um supermercado e encontrei pouco mais de duzentos títulos, digo: rótulos diferentes, de diferentes uvas, nacionalidade preços, terroir* (seja lá o que isso signifique). Fiquei perdida diante de tantas possibilidades.

Foi quando veio em meu socorro um rapaz, simpático Uma espécie de consultor para assuntos de Baco. O jovem parecia entender muito do assunto, me fez um montão de perguntas, confesso que algumas até indiscretas sobre meu amigo. De como ele iria degustar o vinho, o que ele comeria para acompanhar, em que ocasião, com quem.

E, finalmente quando achei que já tinha dado o perfil psicológico do presenteado, bem como seu passado, seus traumas, suas aflições, a primeira papinha, se tinha sido amamentado ou não, sua árvore genealógica... Eu sei, estou exagerando e me perdi, mas é um mal necessário para deixar impressa aqui a minha irritação. Ia dizendo: quando achei que já tinha dito tudo e o rapaz simpático (vá lá ele não era tão simpático assim, um pouquinho arrogante talvez, enxerido mesmo, alcoviteiro.) finalmente ia me vender um vinho, ele me ofereceu uma boa relação custo benefício!

Espero que meu amigo aprecie a equação, digo o vinho.


*"Terroir (terroar) é uma palavra francesa sem tradução em nenhum outro idioma..

Significa a relação mais íntima entre o solo e o micro-clima particular,

que concebe o nascimento de um tipo de uva, que expressa livremente

sua qualidade, tipicidade e identidade em um grande vinho,

sem que ninguém consiga explicar o porquê”.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Teu nome

Não é do frio da noite que eu me escondo, mas da ausência do teu corpo.
Será que não percebes o que fazes comigo? Como tranças tuas pernas nas minhas, nuas, se no vazio da noite tu foges de mim?
Ouço a passagem da noite lá fora, a passagem da noite lá fora, a passagem da noite lá fora.
No silêncio do quarto vazio a passagem da noite lá fora.
Ouço o silêncio da noite nesse quarto vazio em que dormimos distantes, juntas, nuas, trançadas, no silêncio da noite. Meu corpo sem sonhos, sem sono, somente o desejo pelo teu corpo e o silêncio da noite lá fora.
Para que me despes de mim mesma? Para que me deixas nua, vazia?
Não é do frio da noite que me escondo, mas da ausência do teu corpo. Das palavras que me roubas, do teu corpo nu que me despe no silêncio da noite lá fora. Desse jogo de pernas, nuas de desejo, as tuas?
Não é do fio da noite que me escondo, mas da ausência do teu corpo. Da ausência do teu corpo da ausência do teu corpo da ausência do teu corpo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Pernas pro ar...


- Oi! Você leu o Globo de hoje?

- Ainda não tive tempo.

- No obituário tem um convite para o enterro da Dona Elisa.

- Dona Elisa? Eu conheço alguma?

- Claro que conhece! É a tia-avó do Monteiro, meu ex-chefe. Você não se lembra?

Não! Mas por favor, procure ser breve. Hoje meu dia vai ser longo.

- O meu também, na hora do enterro eu tenho um almoço de negócios e não vou poder comparecer.

Lembrou-se que na lista de coisas a fazer não tinha espaço para o almoço. Ia ser um sanduíche no carro, enquanto espera o filho Bento sair da natação.

- Mande um telegrama então!

- Ficou doida? O Monteiro adorava a Dona Elisa. Eu não posso fazer esta desfeita com ele.

- Que desfeita? Mandar um telegrama não é uma desfeita'. Você mesmo mandou um, para a minha avó, quando meu avô faleceu! Lembra-se? Você não pode comparecer porque estava trabalhando!

- Bem se nota que você não entende nada de negócios mesmo. Não sei como pode querer voltar a trabalhar.

-Vou ter que desligar. A roupa na máquina terminou de bater e tenho que desligar o fogo da panela de pressão.

-Rapidinho. Você vai ter que ir ao enterro me representando. É no caju às 11:00hs.

-Às onze? E, no caju? Eu não vou nem no meu enterro, prefiro ser cremada!

-Porque você não pede pro Reinaldo, ele também trabalhou com o Monteiro.

-Ficou maluca? O Reinaldo trabalha. E está de emprego novo. Não pode estar saindo assim à toa.

-Mas você mesmo disse, que não é a toa. Que é importantíssimo!

-Vê se não complica. É na capela 13.

-Vou desligar.

-Merda. Parece que hoje todo mundo resolveu ligar aqui para casa. Será que ninguém tem o que fazer?

-Oi filha!

-Oi mãe.

-Tudo bem?

-Tudo (mente).

-Sua avó é que não esta nada bem, e eu preciso que você leve ela ao Dr. Francisco, para mim.

-O que ela tem?

-Está com uma daquelas arritimias.

-Então, não é nada bem, é o de sempre.

-Eu sei filha, mas é que eu tenho medo.

-Eu não. Mas, já que tem medo porque você não pede para a Natália levá-la ao médico?

-É que o Dr, Francisco não vai poder atendê-la depois das dezenove. E antes disso, sua irmã está trabalhando.

Com o cheiro do feijão queimado ardendo-lhe as narinas. Fala com irritação.

-Leva a mal não, mãe, mas é que a Senhora; o Conrado; o Reinaldo; A Natália e toda a torcida do flamengo estão trabalhando, e também estão ganhando dinheiro!

Só este ano enquanto todos vocês trabalhavam e ganhavam dinheiro e dignidade (o trabalho dignifica) eu, que não tinha mais o que fazer fui a mais de cinco enterros, só de desconhecidos, fui a crismas, visitei parentes em hospitais, peguei sobrinhos na escola, levei sobrinhos à natação, corri rapidinho antes que o banco fechasse para pagar o iptu, com desconto. de alguém muito ocupado etc e tal e infinito e além...

-A sra agora me dê licença que eu vou à praia. É lá que eu prefiro torrar no sol das onze horas. Tenho certeza que a tal da Dona Elisa, que não trabalhava, vai compreender perfeitamente. Que Deus a tenha!


Miranda