sábado, 25 de fevereiro de 2012

A língua nossa de cada dia

“Senhor, senhor, te rogamos
E rogaremos sem fim
Que caiam raios de merda
No professor de latim”
                                                Belisario Betancur
                    

Belisario Betancur escreveu estes versos quando tinha 12 anos de idade. Pelo atrevimento, foi expulso da escola. Mais tarde ele se tornaria presidente da Colômbia. Quem narra esse detalhe na vida de  Betancur é seu conterrâneo Gabriel Garcia Marquez, Prêmio Nobel de Literatura,  o qual, num artigo escrito em Fevereiro de 1993  para homenagear os 70 anos do presidente, explica assim a sua veia poética: “Na verdade ele não foi um governante que amava a poesia mas um poeta a quem o destino impôs a penitência do poder.”

Nihil Obstat.  Imprimatur
Hoje não se ensina mais latim nas escolas. As línguas foram se difundindo e se misturando entre os povos, tornando-se cada vez  mais complexas. À cada geração adicionam-se novos termos produzidos pelas inovações tecnológicas, novos costumes, e novas formas de relacionamento entre as pessoas. O latim, destinado a preservar a pureza das línguas que dele nasceram, tornou-se inócuo para o seu aprendizado.  Seu uso está reservado aos filólogos e , bucolicamente, a citações de máximas, anexins e provérbios latinos que até hoje não encontraram tradução convincente:
“Similia similabus curantur”  ... “Porta patens esto. Nullo clauderis honesto” ... “Naturam expellas furca” ... e por aí vai.

Nem por isso os esforços para preservar a pureza da língua desapareceram. Pelo menos na língua portuguesa, merecedora – ou vítima, não sei bem -  de várias reformas ortográficas em menos de três décadas. De que serviram?  Para ilustrar essa questão acho proponho voltar a Garcia Marquez. Em conferência pronunciada no México em Abril de 1997 intitulada  “Garrafa ao mar para o Deus das palavras”  ele diz, na tradução de Eric Nepomuceno, o seguinte:
“... Nesse sentido eu me atreveria a sugerir, diante dessa platéia de sábios, que simplifiquemos a gramática antes que a gramática acabe nos simplificando. Humanizemos suas leis, aprendamos das línguas indígenas, às quais tanto devemos, o muito que ainda têm para nos ensinar e enriquecer, assimilemos logo – e bem – os neologismos técnicos e científicos antes que nos sejam infiltrados sem digerir, negociemos de bom coração os gerúndios bárbaros, com os quês endêmicos, o  dequeísmo parasitário, e devolvamos ao subjuntivo presente o esplendor de suas esdrúxulas. Vamos aposentar a ortografia, terror do ser humano desde o berço: enterremos os agás rupestres, assinemos um tratado de limites entre o gê e o jota e ponhamos mais uso da razão nos acentos escritos, que afinal de contas ninguém haverá de ler lagrima onde se diga lágrima, nem confundirá revolver com revólver. E o que dizer do nosso bê de burro e nosso vê de vaca, que os avós espanhóis nos trouxeram como se fossem dois e sempre sobra um?”

Essas são as sugestões de um Prêmio Nobel de Literatura a uma assembléia de sábios. Merecem reflexão. Consta que Portugal, depois de  assinar a última reforma ortográfica, não a adotou. Não há registro de que suas instituições de ensino ou os meios de comunicação tenham dado a mínima atenção ao acordo. De que serviu? A quem serviu?

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Tremonha



“Alô...alô! Joaquim, sou eu . Olha, eu deixei o Tarquínio tomando conta da tremonha mas estou preocupado, queria que você fosse lá e desse uma olhada. Hein?  Não, não ...  é que tinha um parafuso solto e ... o que ?, eu sei que quando você saiu estava funcionando direito mas você pode não ter visto o parafuso... claro, claro, mas quando eu passei lá... espera aí...  eu vi que tinha um parafuso solto e se aquela merda explodir vai voar farinha pra todo o lado e todo o mundo vai ver... calma, porra, deixa eu falar... o Tarquínio é um pobre coitado, não pode deixar ele sozinho, se der merda a culpa não é dele, vai lá...  olha... vai lá e confere tudo... escuta, Joaquim, vai lá e ajuda ele... o que?  o que?  Não, escuta o que eu tô falando, Joaquim... tá me ouvindo? Alô, alô! Joaquim? Tá me ouvindo? Tá me ouvindo? ...  Merda de telefone!”
Desligou.

Eu já estava quase adormecendo,  sentado naquela poltrona escorregadia da Mil e Um que chacoalhava pela  Rj 116 com a promessa de me deixar no Rio a tempo de tomar um chopinho. Eu, que não tinha nada a ver com aquela encrenca, me via agora sofrendo com o que poderia acontecer com o  Tarquínio. Estou cansado de me tornar testemunha involuntária de conversas alheias ouvidas através desse aparelhinho diabólico e, ainda mais, tendo que adivinhar o que se diz o outro lado da linha.
Não quero saber da vida alheia, não quero me envolver em briga de casais, reclamações de contas não pagas, declarações melosas de namorados arrependidos, papos codificados de amor, tão óbvios, que escancaram a montagem de uma infidelidade conjugal.  Chega. Não quero ser obrigado a ouvir confissões, delações e  broncas de gente que não conheço. Vou reclamar ao governo!  Vou pedir ao estado que proíba o uso de celular nos lugares públicos. Ele já o proibiu dentro dos bancos! Pois que o proíba também nos lugares por onde passo.  Esse  “Estado babá”, como alguém já o chamou, que me humilha quando viajo de avião - quem se lembra de “A tesourinha” do Zuenir Ventura? – esse estado que inventou o kit de primeiros socorros para os automóveis, uma palhaçada que não durou mais de um mês, tempo suficiente para encher as burras de alguns espertalhões, esse estado que encurta o tempo do sinal amarelo nos semáforos para faturar multas obscenas, que  deixou a Ponte Rio Niterói criar quatro faixas de rolamento onde só cabem três, que autoriza os provedores de banda larga a fornecer míseros  dez por cento da velocidade contratada, que me obriga a trocar todas  as tomadas da  casa fazendo-me refém dos preços abusivos das lojas que as vendem ... e agora chega.  Resistência passiva. Desobediência civil. Viva o Mahatma Gandhi!

E de que é estavam falando,  afinal de contas?  Que  droga  é  tremonha ?  Que farinha é essa?  É de trigo?  De milho? De mandioca ? É fina? É grossa ? Pra que serve ? Isso só pode ser coisa de bicheiro. Ou será de traficante ?  A farinha não seria para  “cortar”  cocaína? Deus me livre! E se eu for chamado a testemunhar, só porque ouvi a conversa ? Fiquei com medo.

Levantei-me e fingi que ia ao banheiro. Eu só queria era  ver a cara do indivíduo que ligara para o Joaquim.  Era feio, mal encarado e simulava estar dormindo, certamente para não se deixar trair pelo olhar. Não havia dúvida: tinha cara de traficante. Deveria ser o chefe do Joaquim, autoritário e bruto como só um traficante pode ser. Eu não tinha nada a ver com aquilo mas comecei a sentir pena do Tarquínio. Se a tremonha explodisse ele seria sacrificado. Talvez morresse ou, pior, ficasse aleijado para sempre. Teria família ? Muitos filhos ?  Ou seria ele um usuário da própria droga que produzia ? Acho que nunca mais vou viajar nesse ônibus.

Voltei para o meu lugar, carregado de angústia e medos.   Adormeci.        Só acordei mais tarde, com o barulho da explosão.

                                                                                   


quarta-feira, 16 de março de 2011

A Língua do Fanho


Preciso estudar a língua do fanho. Para quem já passou dos cinqüenta, como eu, e se mete a escrever, seja lá por que motivo for ( quanto a mim já confessei: escrevo para exibir-me), precisa aprender a língua do fanho. Aqueles que ainda não chegaram aos cinqüenta já nasceram sabendo, e esse dom foi se aprimorando com o tempo a ponto de aqueles que singram na adolescência navegam na web na base do piloto automático.

As instruções estão lá, claras, nítidas, cristalinas. Só que na língua do fanho. O melhor exemplo disso ocorre quando você precisa  transferir alguma  coisa que  produziu com seu próprio esforço e  a custa de muito suor,  para o trabalho que está para completar. Aí aparece a mensagem: “digite a url aqui”. E quem disse que você encontra a url? Mas a gozação continua: “para evitar erros de digitação recorte e cole o endereço da url”. É como se eles dissessem: “Carolina de Sá Leitão” e você entendesse “caçarolinha  de assar leitão” . É a língua do fanho.

Mas, justiça seja feita. As coisas já foram bem piores. Os cinqüentões devem se lembrar dos instrumentos de tortura usados até pouco tempo e agora felizmente superados. Eu chorava quando apareciam aquelas mensagens:
“Lebsek causou um erro. Lebsek será fechado. Salve seus dados e clique em OK para fechar Lebsek” .  Aí você procura os dados para salvar e clica fanhosamente como entendeu. O Lebsek desaparece, ninguém diz mais nada e os seus dados somem no oco do mundo. Para sempre? Não. Mas eles se escondem e só reaparecerão se você os chamar na língua do fanho.
E o que dizer da aterrorizante mensagem: “ERRO FATAL”, que aparecia assim mesmo, em caixa alta? E completava: “Se você clicar em continuar, todos os seus dados serão apagados. Clique em OK para voltar”. Na língua do fanho isso quer dizer: se você clicar em OK você ficará rodando como o cachorro que morde o próprio rabo; se clicar em continuar espere para ver o que acontece. Pois bem, eu já cliquei em continuar. A tela ficou preta como noite sem lua. Fugi dali apavorado e fui tomar uma caipirinha. No dia seguinte chamei o técnico, que me disse: “Vou levar o HD para ver o que posso salvar”.

Voltou  duas semanas depois com as salvações numa bandejinha - pelo menos foi assim que eu vi a cena - contendo um disco de  clip art  xexelento e um anúncio de bombons Serenata do Amor. Creio que era da Garoto.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

São trinta copos de chope

Na sua crônica de hoje Zuenir Ventura cita o poeta pernambucano Carlos Pena Filho  morto aos 31 anos em um acidente de automóvel.
Falando de “amar o transitório”, Zuenir analisa nosso comportamento diante de atitudes que nos levam a desperdiçar  oportunidades que nos são oferecidas:  “... perdemos tempo com bobagens que nos aborrecem além da conta, deixando passar momentos preciosos ...”  Zuenir  termina sua crônica com uma estrofe de Carlos Pena:

“Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório”

Lembro-me do Carlos Pena Filho no Bar Savoy,  onde costumava sentar-se com os amigos, definindo a lua que surgia sobre o cais do Recife:

“Era uma lua tão grande
De tão vermelha amplidão
Que mesmo Ascenso Ferreira
Comendo só a metade
Morria de indigestão”

E como não lembrar da sua mais célebre evocação ...

“São trinta copos de chope
São trinta homens sentados
Trezentos desejos presos
Trinta mil sonhos frustrados”  ...

... à qual nós dávamos seguimento:

Como bebes companheiro!
Como bebes tão ligeiro ...

Bons tempos aqueles, companheiro, bons tempos...

                                                            Severino Mandacaru

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Nossa cara no Livro

.
Lembro-me de que, quando apareceram os primeiros telefones celulares, um cientista americano, em declarações prestadas à imprensa, disse o seguinte:
“Existem coisas que a tecnologia nos oferece, que são absolutamente inúteis e logo se tornam imprescindíveis. O celular que o diga.”

O celular não só se tornou imprescindível como se tornou vital para todas as camadas da sociedade: do Primeiro Ministro ao engraxate da esquina; da Primeira Dama até a mariposa que faz ponto num bar da Av. São João.
O Facebook começou como uma brincadeira de estudantes inteligentes para fazer fofoca entre os colegas e exercitar sua habilidade na tecnologia da computação, superando os mestres e deixando-os desmoralizados. Cresceu e hoje é uma empresa avaliada em 50 bilhões de dólares. E tudo para que? Falar de abobrinhas!

Não é bem assim. Se examinarmos o conteúdo das páginas do Facebook veremos que, em sua grande parte, são futilidades, fotografias de péssima qualidade e opiniões inexpressivas, que consomem um tempo enorme para serem destiladas até que se chegue à gota final do produto. Mas o Facebook não é só isso. A rede conseguiu mobilizar multidões em questão de horas e só isso justificaria os seus cinqüenta bilhões. Como quando o cidadão Oscar Morales reuniu 10 milhões de pessoas em cidades da Colômbia, em protesto contra as Farc, ou como nas mobilizações que tem ocorrido recentemente nos países árabes em protesto contra as ditaduras.

E assim, entre abobrinhas, fofocas e mobilização de massas, vamos enriquecendo nossa cultura e aperfeiçoando a cidadania.

“Você tem notícias do fulano?”
“Não. Procura no Facebook, ele está lá”
“Você sabe que fim levou aquele chato da quarta série que vivia pedindo livro emprestado a todo mundo?”
“Ele está no Facebook, ficou rico. Montou uma editora.

Num interessante artigo publicado no “O Globo” de 11/02/11, o colunista Marcio Ehrlich ensina que “A vida em rede é um aprendizado”. Ele começa com uma pergunta: “Você já se estressou com alguém no Facebook? ... já teve vontade de deletar alguém ... não se culpe por isso.” A partir daí, Ehrlich analisa o prazer e as frustrações que a rede social nos proporciona e conclui:

“Admita. Estamos na rede para nos divertir. Desestressar do trabalho e do relatório atrasado ... portanto, se alguém lhe encher muito o saco, você não precisa deletar o seu próprio perfil e desistir da rede. Remova o inconveniente da sua lista. Esta é a modernidade social.”

Quanto a mim, recuperei a alegria de estar no Facebook.
Primeiro porque posso meter o pau em quem quiser e o pior que pode acontecer é me deletarem da lista.
Segundo porque, apesar de não pagar nada pelo Facebook, também ajudei, ainda que modestamente, a engrossar a conta de 50 bi do Markinho Zuckerberg e espero que um dia ele reconheça isso.

Tchau, nos veremos no Face, e não esqueça: o tempo que você gasta na rede engrossa a conta do Markinho, não a sua.

                                                                    Severino Mandacaru

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Lindo desenho ! Quem foi que escaneou ?



13 de Fevereiro - pg. 6



                                             15 de Fevereiro - pg. 7
                                                                                                           
                                                                          10 de Fevereiro - pg. 7

05 de Fevereiro - pg.4

Lindos desenhos! No "O Globo" todo o mundo desenha. Artigos, colunas e crônicas estão sendo fartamente ilustrados com desenhos que não sei bem como classificar: psicodélicos, futuristas, naif ? Não, naif é que não são. São uma curiosa combinação de riscos e rabiscos, manchas e borrões, enxertados com figurinhas geométricas pre-fabricadas do tipo triâgulos, quadrados, círculos, elipses, espirais, além de letras, algarismos, reticências e ... pontos de exclamação !
Uma figura. Pouco entendo de desenho e artes plásticas e, menos ainda,  de computação. Mas é facil concluir que esses desenhos são feitos com o "Paint", esse inteligente programinha de computador criado para ensinar as crianças a desenhar sem precisarem usar sua própria inteligência.

Vocês já viram os desenhos do Millor Fernandes? São de uma simplicidade encantadora. São expressivos e esteticamente primorosos. São inteligentes. Não sei se alguma vez o Millor chegou a usar o Paint em seus desenhos. Mas, se o fez, certamente sabia usá-lo.
Contemplem, colegas, contemplem.

Posted by Picasa

sábado, 29 de janeiro de 2011

Segurança, Televisão e Ingenuidade

Segurança pública é um assunto que me interessa na medida em que sou afetado, tanto pela ação dos marginais como da polícia. De segurança pública nada entendo. Nem ao menos sei quando estou lidando com a polícia militar, com a polícia civil ou com a polícia municipal. Aliás, nunca entendi por que são necessárias três polícias para garantir a minha sobrevivência. No Chile, onde vivi por algum tempo, havia os “carabineiros” e eles eram suficientes. Nunca vi nenhum barrigudo entre eles, é bom registrar. Portanto não pretendo - nem poderia - falar sobre segurança pública. Mas quero contar o que  senti quando os “poderes públicos” – acho que é a melhor forma de não excluir ninguém – resolveram desencadear uma guerra para acabar de vez com o tráfico. E, também, porque não quero passar por ingênuo.

Ao findar o ano de 2010 o governo do Estado do Rio de Janeiro reuniu as polícias militar e civil , apoiadas pelo Exército e a Marinha com seus carros blindados, tanques de guerra e veículos de assalto, para um ataque decisivo ao crime. A Aeronáutica perscrutava os céus para fornecer informações sobre o inimigo. As forças oficiais ocupariam as favelas, expulsariam os traficantes e a partir daí o combate ao crime seria permanente.

É preciso enaltecer a bravura com que soldados e civis se conduziram no desempenho de sua missão. A televisão mostrou cenas convincentes da coragem e desprendimento com que cumpriam ordens. Mas o que não ficou claro foi o “conceito” da operação. Teria sido planejada com base numa política de segurança pública? O estado dispunha de uma política de segurança pública? Não parece. Do contrário o tráfico não teria alcançado o poder que tem hoje e as milícias não se teriam criado.

Sejamos francos. Essa operação não foi mais do que uma resposta ao gesto insensato dos traficantes que, num surto de burrice, resolveram sair pela cidade incendiando carros e ônibus. Apenas uma represália ao governo pela transferência de presídio de alguns chefes do tráfico. Uma demonstração de força que humilhou governantes e cidadãos. Ou não foi isso que aconteceu? Era preciso conter o vandalismo nas ruas e dar uma resposta à opinião pública. E sem a ajuda do Exército o Estado seria derrotado.

As televisões, ficaram 24 horas no ar, glorificando a ação, dando-nos a entender que o combate ao crime agora é pra valer. Balela. Em nenhum momento se questionou se aquilo levaria a algum lugar. Nenhuma palavra sobre as milícias, os acordos espúrios, os conflitos entre os diversos órgãos e seu espírito de corpo.

Escrevi tudo isto por dois motivos: primeiro, porque gostaria de me ver contestado; segundo, porque encontrei um bom motivo para divulgar o comentário escrito naquela ocasião por Luiz Eduardo Soares*.

O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de Novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.
Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro com a farsa.”
                                                                                               Luiz Eduardo Soares

*Luiz Eduardo Soares escreveu o livro “Meu Casaco de General”, que deveria ser leitura obrigatória para todos os eleitores deste país.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Oba! O Luigi Voltou !



Claudia Bontempo
Alguém já me disse que preciso ser mais pragmática e deixar as emoções de lado, divagar menos, agir. Concordei, pois concordo com tudo que me tire a dor física que sinto com a saudade, a vontade de chorar a toa, o encanto com bobagens, o arrepio no corpo inteiro quando me emociono. Acontece que isso não é uma fórmula de bolo e não existe uma varinha de condão que faça eu parar de sentir tão intensamente.

Ontem revi o querido Luigi, que não via há algumas semanas devido à tragédia das chuvas de verão na região serrana do Rio de Janeiro. Estive em contato com ele durante o período crítico (graças aos recursos midiáticos) e sabia que estava bem. No entanto, quando o vi, ao vivo e a cores, ao meu lado, fiquei com vontade de lhe dizer o quanto a sua presença me fez falta . De como eu estava satisfeita de poder ouvir a sua voz, ver o seu rosto e de como admiro o seu jeito de ser.

Volto a escrever no blog , ainda que com um texto um tanto cambaleante. Mas sabendo que meu amigo está na área de novo, vou tentar ser mais pragmática e tocar a vida em frente. Mesmo não me contendo de tanta felicidade com o retorno do Luigi, afinal estou tentando...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Pulinho da Santinha






Claudia Bontempo

Da varanda da minha casa, se eu ficasse na pontinha dos pés e esticasse o pescoço, dava para ver a igreja da Penha e seus dois sinos. Se desse uns pulinhos, conseguia até ver a rocha sem vegetação enfeitada por ela. Então, quando me metia em alguma confusão de menina, eu ia me espichar lá fora . Como não sabia rezar direito, só o esforço que fazia para olhar a igrejinha, já achava ser suficiente para que Nossa Senhora da Penha olhasse por mim e me tirasse da enrascada. Ninguém acreditava naquela minha fé na Santinha. A vó Zeca ralhava com medo que eu tropeçasse ou ficasse com torcicolo. Meu pai achava bonitinho e balançava a cabeça pra lá e pra cá. Minhas irmãs zombavam e faziam fofoca – “está é pulando para perder uns quilinhos”. Eu torcia para crescer e poder rezar sossegada.

Uma noite estava a maior chatice, sem nada para brincar e o Francisquinho, meu vizinho que morava em frente, veio com a conversa da gente fumar cigarro.Eu quis. Chamei as meninas, que não gostaram da idéia, fizeram cara feia, disseram uns sermões, mas foram só por curiosidade. Pegamos umas folhas de jornal, uma caixa de fósforo e corremos escondidos para o banheiro dele. Enrolamos e acendemos um pedaço de jornal, já que ninguém tinha dinheiro para comprar fumo de verdade. O troço começou a pegar fogo e eu enfiei rápido na boca, puxando com toda a força. Não contava que ia engasgar com a fumaça que entrou que nem fogo no meu peito. Via tudo rodando e não respirava. Só tossia.

As meninas choravam , o Francisquinho não sabia o que fazer. Era só apavoramento. Eu tentava pedir para eles irem na varanda de casa gritar para a Santinha vir me acudir. Mas não conseguia falar e só tossia. Além disso, estavam com medo de abrir a porta, os adultos descobrirem e a gente levar cascudo. Me abanavam, sopravam, batiam nas minhas costas. Até que alguém lembrou de empurrar com a mão uma janelinha que tinha no banheiro. Pela fresta de ar e luz, descobri a visão mais linda da Igreja da Penha. Eu nem sabia que era o dia da procissão e ela estava mais iluminada do que nunca. Achando que ia morrer, me passaram pela cabeça as estórias da minha vó, que me assombravam o sono, sobre os romeiros que subiam as escadarias da Penha de joelhos e chegavam lá em cima com eles pingando sangue, para agradecerem um milagre. Então, falei em pensamento ;

- Valei-me Santinha que eu vou ralar meus joelhos até o osso, na sua escadaria, se eu voltar a respirar.

Aos poucos fui parando de tossir, respirando. O cheiro da fumaça foi acabando. Nós limpamos a bagunça e saímos do cubículo. Desconfiados, ligeiros, cabisbaixos. Francisquinho, que nem falava de tanta vergonha de não ter protegido as mocinhas, foi se meter para dentro do quarto. De volta para nossa casa, as meninas foram sentar quietinhas no sofá da sala, ajeitando os vestidinhos. Eu fui pular na varanda e medir o tamanho da pirambeira que ia ter de subir de joelhos, só para agradecer à Santinha.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Somos e sempre seremos quatro

Felipe Pena, Severino, Roberta, Noronha e Miranda

Éramos seis é o nome de um livro que não li, mas que ao que tudo indica provoca uma choradeira danada. O exemplar que tinha aqui em casa e que provavelmente veio da casa dos meus pais era de papel jornal, com a capa mole, e com uma figura mal impressa de uma família. Se olhar para trás ele deve estar bem ali na estante, mas eu nunca li e não vou ler.

Aqui está, não resisti, me virei,  e o livro não saiu do lugar estes anos todos. Capa amarela, com laranja, mistura que eu adorava mas que agora acho cafona. No alto da página vem o nome da autora em letras caixa alta, centralizado sobre o título em caixa alta e baixa: Éramos seis. Abaixo do texto vem o desenho de uma família de seis pessoas. Pai, mãe, três filhos e uma bebê. Não vou ler já disse, mas todas as vezes que eu olho para aquela capa fico imaginando o que aconteceu àquela família e assim ao longo destes anos eu já escrevi e mirabolei mil e uma histórias. Em nenhuma delas o éramos seis me sugeriu soma, sempre tristeza e tragédia.

Éramos quatro, foi uma das crônicas que eu escrevi para a “Oficina do
Pena”. O Pena era o professor e foi uma espécie de padrinho de um grupo de amigos que se reuniu para discutir literatura,comer batata frita e tomar um chopinho que ninguém é de ferro!
Na verdade acho que a crônica se chamava lá em casa éramos quatro,ihhhh estou ficando caduca! o nome da crônica afinal era: Somos feitos do mesmo que os nossos sonhos ( “we are such stuff as dreams are made on”) W. Shakespeare.

Agora me lembro, minto reli: o texto começava com a frase: Lá em casa éramos quatro e nele eu revelava o porque da escolha do pseudônimo para assinar as crônicas da Oficina do Pena.
A “Oficina do Pena” deu origem a um grupo chamado “Depois da Oficina”. Nos reuníamos toda semana para discutirmos literatura, comer e beber.

No começo éramos sete, mas dois membros do grupo eram bissextos, nem sempre podiam ir. Depois tivemos uma baixa, um dos membros quis sair e se foi. Os bissextos também não puderam mais comparecer e então éramos quatro até outro dia.
Três moças e um rapaz. Nos tornamos muito amigos e toda a semana, tínhamos a alegria de nos encontrarmos.

Antes  o texto  nos uniu, nos inspirou e nos fez suspirar para que chegasse logo o dia de lermos para os colegas o que produzíamos com carinho ao longo da semana. Agora a dificuldade de conseguirmos escrever, ou por falta de inspiração, transpiração ou tempo ou seja lá o que for nos afastou. Será?

Acredito que não, que ainda há salvação e que podemos deixar de ser um quarteto de três e voltar a ser um quarteto de quatro.

E que se agora não conseguimos escrever como outrora, podemos nos perdoar e seguir em frente e contar o que aconteceu no cabeleireiro por exemplo, colocando uma letrinha atrás da outra, sem maiores pretensões apenas para não perder a amizade e o vínculo que nos une.

E, se a Moniquinha quis sair, problema dela, tenho certeza que o Tio Vavá continua por aí cantando e encantando as moçoilas.

Hoje o “Depois da Oficina” se reuniu e não tomou vinho, tomamos um café mirabolante e combinamos a próxima reunião para 10 de Janeiro. Vou sentir saudades.
Quem não tiver o que escrever conte como foram as festas de fim de ano. Simples Assim!
FELIZ NATAL. Beijos da Miranda de sempre.
Peço mil desculpas pelo texto mal escrito, mas o motivo deu ter parado de escrever é preguiça mesmo!!!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Escolhas

“Estendo minhas antenas e como um inseto subindo pelo áspero casco de uma árvore faço minha escolha e sigo o meu caminho”
                                                                                       Lygia Fagundes Telles


A vida é feita de escolhas. Isto já foi cantado, à exaustão, em prosa e verso. Fazer escolhas. Optar, selecionar, escolher, decidir. Hesitação, dúvida, insegurança, indecisão, medo, arrependimento.

Já observei insetos e outros bichos fazendo suas escolhas: formigas, abelhas, aranhas, lagartixas, gambás. Reparei como eles também hesitam.

Eu nunca tive escolhas. Apenas o Destino me disse, com voz rouca:
“Revertere locum tuum”
Assim foi. E meu caminho se iluminou.
E assim é. Não preciso fazer escolhas. Meu caminho é iluminado.
Para onde acende a luz eu vou. Porque meu caminho é iluminado.

O problema é quando acaba a bateria.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Conversa de Barbeiro

-- Tudo bem ?
-- Tudo.
-- Sente, por favor.
-- Ah.
-- Está quente, né ?
-- É.
-- É muito calor.
-- É.
-- Em São Paulo choveu muito.
-- Foi ?
-- Aqui não choveu.
-- Não.
-- Eu não gosto quando chove.
-- Não ?
-- Não. O senhor gosta ?
-- Não.
-- Mas a roça precisa de chuva.
-- É.
-- Semana passada minha rua alagou.
-- Foi ?
-- Foi. É um perigo, né ?
-- É.
-- Também, ninguém faz nada!
-- Não.

E vocês?  Por que não inventam um diálogo com a sua cabeleireira?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Reforma Ortográfica

Coloquei um adendo à Cronica "A Língua de Cada Um". Obviamente não pretendo com isso atenuar meus erros de português, os quais transcendem os limites da escola primária. Transcrevo-o  por achá-lo útil ao debate:

{Escrevi o desabafo acima já faz tempo, embora só o tenha postado recentemente.
Encontrei agora, no jornal “rascunho” de Novembro de 2010, na seção “Cartas”,
um outro desabafo, escrito por José Ignacio Coelho Mendes Neto:}

“Nova Ortografia”
“Descobri recentemente o jornal Rascunho - - - . É o primeiro veículo de imprensa que vejo destacar sua recusa da reforma. Achei uma iniciativa sensacional, que deveria ter sido a norma entre todos os usuários da língua. Sou tradutor e revisor e repudio completamente a proposta de reforma ortográfica articulada por meia dúzia de indivíduos que se julgam no direito de alterar a língua apenas para venderem suas obras de atualização. É o maior crime contra a nossa cultura que já ocorreu em toda a história da língua portuguesa. Não só os motivos alegados são todos escusos, como a própria substância da reforma introduz cascatas de novos erros e incertezas. Um atentado como esse só poderia resultar da mentalidade burocrática que acha que a língua pode ser objeto de legislação. Em Portugal, que por razões incompreensíveis concordou com essa palhaçada, a reforma não foi adotada por nenhum órgão de comunicação, por nenhuma instituição de ensino, nem pública, nem privada, por nenhuma editora, nem pela população. Foi totalmente ignorada, como deveria ser. Pelo menos vejo que a sua publicação foge à postura acéfala e acrítica que domina o nosso país. Estão de parabéns!

José Ignacio Coelho Mendes Neto



quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Banana do Gambá

- Oi, Alzira? Sou eu. Olha, eu tive que sair correndo, se não perdia o ônibus. Escuta, deixei comida na geladeira pra você e o Pedrinho; tirei a roupa da corda, que parece que vai chover. Aaqui, não esquece de botar o lixo pra fora. A banana do gambá está em cima da cômoda. Tchau, heim, fica com Deus. Tchau...tchau.
Desligou.

Eu estava quase adormecendo na minha poltrona da Mil e Um, saindo de Friburgo, quando ouvi a mulher falando ao telefone, sentada junto ao corredor, um banco adiante do meu.
“A banana do gambá está em cima da cômoda”. Quis perguntar-lhe:
- A senhora tem um gambá? – mas antes que eu abrisse a boca a sua vizinha puxou conversa. Fiquei com a pergunta entalada na garganta.
Era obvio que ela tinha um gambá. Mas, como seria? Estaria preso numa gaiola? Num curral? Seria apenas um visitante que passava todas as noites para recolher sua refeição? Ele encontraria sua banana todas as noites? A recomendação feita à Alzira dá a entender que sim.
Eu não tirava os olhos da mulher. Esperava apenas que ela fizesse uma pausa na conversa com a vizinha para fazer-lhe a pergunta. E nada. O tempo passava. Que idiota. Eu deveria tê-la interrompido logo no começo, agora ficava difícil. A vizinha não parava de falar. E o tempo passava.

Comecei a pensar nos meus gambás, que se acomodavam no teto da casa. Que roubavam os vestidinhos das bonecas para acolchoarem seus ninhos. Que comiam as bananas deixadas expostas na cozinha. Lembrei-me de quando um filhote escorregou das telhas e ficou vagando pelo sótão. Levei-o dentro de uma caixa de madeira até a margem de um riacho, em pleno bosque, onde teria água e comida. Desconfiado, não queria sair da caixa. Esticou o pescoço, nossos olhos se encontraram. Eram "duas contas pequeninas que brilham mais que o luar".  Ele deu um salto e desapareceu na ribanceira.
E a mulher conversava, e conversava...
- Boa viagem, bondosa senhora! Cuide bem do seu gambá.

Luigi





sábado, 27 de novembro de 2010

Mais Desaforismos

• Já estou auferindo lucros com a minha escrita: estou me tornando um leitor muito melhor.

• De tanto ouvir falar que meus textos são longos demais chego à conclusão de que o padrão de beleza na literatura contemporânea é o Twitter.

• Com freqüência me perguntam por que escrevo. E eu respondo: escrevo porque não sei desenhar.

• Você diz que escreve porque não sabe desenhar. Concordo. Mas quem lhe disse que você sabe escrever?

·        Da precariedade da existência: Não se esqueça, um espirro pode salvar sua vida. Um mosquito pode acabar com ela.

• A leitura é aquela atividade através da qual você se renova: a cada hora, a cada dia; a cada página, a cada livro. Você não morre nunca. Até que, um dia, você deixará de ler.

• Estranha é a engenharia rodoviária em nosso país. É o único lugar do mundo - e olhe que eu já virei a metade dele – onde uma rodovia, ao encontrar um pontilhão, em lugar de alargar-se, fica mais estreita. Como diria o pai do Severino: “É tudo engenheiro!”.

• “São Paulo não tem mais garoa. Estudo do Impe revelou que o clima de São Paulo mudou tanto que a cidade deixou definitivamente de ser a terra da garoa.” (notícia de O Globo de 8 de Dezembro de 2010).

• Quem não conheceu a garoa de São Paulo não sabe o que é nostalgia.

• O número de acidentes na Ponte Rio-Niteroi está aumentando. A ponte foi projetada para 3 pistas e um acostamento com largura confortável e segura para a circulação dos veículos, o que incluía ônibus e caminhões. E assim operou por muitos anos. A atual Concessionária, com o beneplácito das autoridades, resolveu dividi-la em 4 pistas onde, obviamente, só cabiam 3, dando a entender que os engenheiros do projeto original eram uns idiotas. Com isso, ônibus e caminhões de bunda larga, que mal cabem dentro das faixas, obrigam os automóveis a se esgueirarem dentro do espaço que lhes sobra. O número de acidente aumentou. Num cálculo simplório e enganador os administradores alegam que, com a pista adicional, o fluxo aumentou em 18 por cento. Enganador, porque só beneficiou a Concessionária, com o aumento da arrecadação, e deixou o usuário com o aumento de acidentes e os congestionamentos antes e depois da ponte.

• Estamos em plena Copa do Mundo. Nunca entendi por que, na partida final, quando está em jogo não somente o prestigio de cada seleção mas também a honra da Pátria, havendo empate, vai-se para a prorrogação e, continuando o empate, a partida é decidida por pênaltis. Os jogadores, cansados à exaustão e emocionalmente desequilibrados, não reúnem mais o seu potencial de desempenho, incapazes de exibir sua habilidade na prática do esporte. O mais sensato seria repetir o jogo em outra data. Sei que isso é impossível pois arruinaria as televisões, a imprensa escrita, os patrocinadores e os próprios espectadores, que teriam de arcar com mais gastos de hotel. Mas será justo colocar nos pés de um só jogador a honra da Pátria? Execra-se o infeliz que errou o chute, glorifica-se o goleiro que, numa cagada, segurou a bola (porque sabe-se que é impossível defender um pênalti por habilidade – a distância e a velocidade da bola não o permitem. Sejamos sensatos. Para decidir uma partida nessas condições dando oportunidades iguais aos contendores e respeitar suas habilidades, bastaria abrir a barra do gol em, digamos, meio metro, e continuar o jogo. Se, após um certo tempo o empate continuar, abre-se o gol em mais meio metro. Em algum momento alguém marcaria o gol da vitória. Que seria conquistado em igualdade de condições de um jogo normal, com a capacidade de cada um. Vão me dizer que é muito difícil, tecnicamente, abrir a barra do gol. Bobagem. Qualquer serralheiro de subúrbio é capaz de criar uma engenhoca para abrir as traves de um campo de futebol.

Severino Mandacaru

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Boa Sorte

 Sorte é quando competência e oportunidade se encontram



BOA SORTE

Engraçado, a palavra sorte sempre me remeteu a uma coisa boa.  Ouvia a palavra e me vinha a mente algum coleguinha feliz por ter ganho a figurinha rara ou o zerinho quando disputava quem ia escolher o melhor time.

Ultimamente esta palavrinha maldita tem se tornado um tormento para mim. Anda funcionando como se fosse um palavrão daqueles bem cabeludos que, nos-idos-tempos-dos-limites, as mães sapecavam pimenta na boca dos que se atrevessem a pronunciá-lo.

Tudo começou com o Zico. ... Ouvi ..dizer... que ao ser perguntado o  porquê de tanta sorte ao bater faltas ele respondeu: “Quanto mais eu treino, mais sorte eu tenho”. É verdade o Galinho treinava muito. Acontece que se bem me recordo na Copa do México, quando ele perdeu aquele pênalti, acho que foi para a França, a bendita sorte, mesmo ele tendo treinado à exaustão, não lhe deu a menor bola. Que fique claro, não estou crucificando o talentoso Zico, estou é falando mal da sorte.

Passei a ter medo da sorte, pavor mesmo, desde que comecei a trabalhar como Consultora Imobliária.  Todo plantão é a mesma coisa, conversa vai, conversa vem e sempre tem alguma história de alguém que conhece alguém que teve a maior sorte: Faltava um minuto para terminar o plantão, apareceu um cliente e comprou três apartamentos de cobertura de frente para o mar na Vieira Souto. E, o que é pior: na verdade o felizardo, maldito, digo sortudo tinha só ido cobrir um plantão para o colega que teve um contratempo e não teve a sorte de estar no lugar certo na hora certa.

Além de treinar bastante chutes-a-gol, quero dizer: estudar o produto, saber quantos quartos, quantas torres o tamanho do terreno, a localização, a posição do sol, a implantação. Saber de cor todos os ítens da área de laser, que atualmente não são poucos!: pergolado, redário, biribol, piscina com borda infinita, bar molhado, espaço gourmet, garage band, horta, portaria, entrada, conciergerie  para citar apenas alguns.

Eu ia dizendo, além de treinar bastante, eu ainda tenho que depender da, com perdão da má palavra, SORTE?  E isso significa que se o indivíduo não treinar e tiver sorte ele vai vender? – É muito provável!

Então se é para depender da sorte eu quero ganhar sozinha na megasena  acumulada e com o dinheiro comprar um montão de apartamentos comigo mesma e com comissão quadruplicada. Em tempo, dispenso a borda infinita, o pergolado e o biribol rsrrsrsrsrs.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Carta aos Colegas*

*Revisada e editada na reunião semanal do “Depois da Oficina”



Queridos colegas,

Escrever, para nós, tornou-se penoso. É o que concluo a julgar pelo volume do material postado nas últimas semanas. Será inócuo perscrutar nas mentes o que nos reduziu a isso. Mas não será inútil tecer (é o meu ofício) algumas considerações em torno do impasse.

Agora entendo melhor a inquietação do Severino Mandacaru quando, debatendo-se em seu conflito sobre o desequilíbrio entre escrita e leitura, teve um surto de demência. Ele chegou à conclusão de que não haveria leitores suficientes para absorver tudo o que se publica. Lembrem-se que, no seu desvario, chegou a propor que se calculasse a quantidade de livros existentes nas livrarias, num determinado momento, e se comparasse com o número de leitores. Severino deu início ao seu projeto contando os volumes de uma livraria considerada padrão e chegou à expressiva cifra de 86.400 livros, contados nas prateleiras. Isso numa livraria, numa cidade, num só país. Estender a pesquisa a nível universal seria um trabalho inimaginável, tanto pela magnitude como pelo primitivismo da metodologia. Isto o enlouqueceu. Aparentemente.

Severino não estava tão maluco assim. Um dia depois que ele postou seu devaneio “Escrever”, (8 Agosto 2010) o suplemento “Digital” do Globo publicou a seguinte matéria do Google:

“Todo o bibliófilo que se preze já alimentou, em algum momento da vida, a inocente esperança de ler todos os livros do mundo”. Em seguida o artigo informa que, de acordo com uma pesquisa realizada, o mundo tem hoje 129.864.880 livros editados. Se multiplicarmos esse número pela quantidade de livros impressos em cada edição teremos, com algumas abstrações, o número que Severino buscava.

Depois disto não posso deixar de voltar ao assunto que ocupou nossas cabeças no “Depois da Oficina” quando, no auge da criatividade, e inflados pelos elogios de professores e colegas, cogitamos publicar um livro de crônicas bancando, nós mesmos, a edição. Não seria difícil, existem pequenas editoras que cuidam disso, os custos são baixos... e por aí vai.

Umberto Eco tratou desse assunto com muita propriedade. Podemos até discordar dele mas não ignorá-lo. Vejamos o que escreveu:

“Nos anos 70 comecei a me ocupar dos autores que chamei de “Quarta Dimensão” . A denominação vinha do fato de que eu definia como Primeira Dimensão a da obra em forma manuscrita, e como Segunda Dimensão, a da obra publicada por um editor sério. Calculando como Terceira Dimensão a do sucesso (visto que muitos autores, até excelentes, permanecem segregados na Segunda, destinados à picotadora ou aos reminder) eis que identifiquei a Quarta, aquela dos autores autofinanciados, em geral publicados por editoras especializadas em explorar esses talentos justamente incompreendidos. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Mas, em suma, ao fazer aquela pesquisa, cheguei a recolher uma pequena biblioteca de autores editados à própria custa que hoje, trinta anos depois, tem todas as condições para entrar no mercado do antiquariato”.

Em que pese o quadro desanimador que se apresenta ao escritor principiante, acho oportuno avançar um pouco mais na discussão do tema e me permito fazê-lo com o beneplácito que se concede aos leigos. O fato de um texto não lograr êxito junto aos editores não deve constituir motivo de desânimo. Lembram-se do que a crítica disse da peça “Um Elefante no Caos”, de Millor Fernandes? (“De Aplausos e de Vaias”) Pois bem, Umberto Eco colecionou uma lista enorme de críticas recebidas por escritores desconhecidos que um dia se tornariam famosos:

“Não achamos que podemos funcionar no mercado da literatura para jovens. É longo, de estilo antiquado e cremos que não merece a reputação de que parece gozar”. Palavras com as quais Moby Dick foi recusado na Inglaterra em 1851.

“Cavalheiro, o senhor sepultou seu romance num cúmulo de detalhes que são bem desenhados mas totalmente supérfluos”. Com esta carta Flaubert, em 1856, viu repelida sua Madame Bovary.

“Dúvida. As rimas estão todas erradas”. Assim o primeiro manuscrito de poemas de Emily Dickinson foi rejeitado em 1862.

“Decididamente, dá nos nervos... ilegível. O sentido do esforço torna-se exasperante ao máximo grau. Não há história”. Henry James, “A Fonte Sagrada”, em 1901.

“No final do livro, tudo se desintegra. Tanto a escrita quanto as idéias explodem em fragmentos meio úmidos como polvorim molhado”. James Joyce, “Dedalus”, em 1916.

“A historia não chega a uma conclusão. Nem o caráter, nem a carreira do protagonista parecem chegar a um ponto que justifique o final. Em suma, parece que a história não se conclui”. Francis Scott Fitzgerald, “Este Lado do Paraíso”, em 1920.

“Meu Deus, meu Deus, não podemos publicá-lo. Acabaremos todos na prisão”. Faulkner, “Santuário”, 1931.

“ Impossível vender histórias de animais nos USA”. George Orwell, 1945, “A Revolução dos Bichos”, em 1945.

A lista segue, extensa, interessante, mas seria cansativo continuá-la. O que não se pode é deixar de ler o parágrafo com que Umberto Eco encerra o seu texto “A Loucura dos Especialistas” : “O que nos impressiona, nessas histórias, é que se trata de avaliações contemporâneas, feitas no calor dos fatos. Como para nos avisar que convém deixar as obras de arte em repouso, como os vinhos” .

Queridos colegas, exultemos! Não há porque chorar se nos estraçalham. Provavelmente o merecemos. De qualquer modo, nos dias de hoje tudo é mais fácil. A rede de “especialistas” expandiu-se de tal maneira que é possível diluir as magoas que eles provocam bem como precaver-se dos excessos laudatórios com os quais, raramente é verdade, somos brindados. Se você receber elogios alegre-se e vá em frente. Se você receber uma avaliação condenando o seu trabalho, alegre-se também, procure entendê-la, e continue trabalhando.

Porque o que dói mesmo é não receber nada. A indiferença dói mais do que a ofensa. E aí, não sei o que dizer. Você pode ser apenas um gênio incompreendido. Ou pode ser um grande talento, que precisa deixar suas obras descansando. “Como os vinhos”.

Luigi