sábado, 27 de novembro de 2010

Mais Desaforismos

• Já estou auferindo lucros com a minha escrita: estou me tornando um leitor muito melhor.

• De tanto ouvir falar que meus textos são longos demais chego à conclusão de que o padrão de beleza na literatura contemporânea é o Twitter.

• Com freqüência me perguntam por que escrevo. E eu respondo: escrevo porque não sei desenhar.

• Você diz que escreve porque não sabe desenhar. Concordo. Mas quem lhe disse que você sabe escrever?

·        Da precariedade da existência: Não se esqueça, um espirro pode salvar sua vida. Um mosquito pode acabar com ela.

• A leitura é aquela atividade através da qual você se renova: a cada hora, a cada dia; a cada página, a cada livro. Você não morre nunca. Até que, um dia, você deixará de ler.

• Estranha é a engenharia rodoviária em nosso país. É o único lugar do mundo - e olhe que eu já virei a metade dele – onde uma rodovia, ao encontrar um pontilhão, em lugar de alargar-se, fica mais estreita. Como diria o pai do Severino: “É tudo engenheiro!”.

• “São Paulo não tem mais garoa. Estudo do Impe revelou que o clima de São Paulo mudou tanto que a cidade deixou definitivamente de ser a terra da garoa.” (notícia de O Globo de 8 de Dezembro de 2010).

• Quem não conheceu a garoa de São Paulo não sabe o que é nostalgia.

• O número de acidentes na Ponte Rio-Niteroi está aumentando. A ponte foi projetada para 3 pistas e um acostamento com largura confortável e segura para a circulação dos veículos, o que incluía ônibus e caminhões. E assim operou por muitos anos. A atual Concessionária, com o beneplácito das autoridades, resolveu dividi-la em 4 pistas onde, obviamente, só cabiam 3, dando a entender que os engenheiros do projeto original eram uns idiotas. Com isso, ônibus e caminhões de bunda larga, que mal cabem dentro das faixas, obrigam os automóveis a se esgueirarem dentro do espaço que lhes sobra. O número de acidente aumentou. Num cálculo simplório e enganador os administradores alegam que, com a pista adicional, o fluxo aumentou em 18 por cento. Enganador, porque só beneficiou a Concessionária, com o aumento da arrecadação, e deixou o usuário com o aumento de acidentes e os congestionamentos antes e depois da ponte.

• Estamos em plena Copa do Mundo. Nunca entendi por que, na partida final, quando está em jogo não somente o prestigio de cada seleção mas também a honra da Pátria, havendo empate, vai-se para a prorrogação e, continuando o empate, a partida é decidida por pênaltis. Os jogadores, cansados à exaustão e emocionalmente desequilibrados, não reúnem mais o seu potencial de desempenho, incapazes de exibir sua habilidade na prática do esporte. O mais sensato seria repetir o jogo em outra data. Sei que isso é impossível pois arruinaria as televisões, a imprensa escrita, os patrocinadores e os próprios espectadores, que teriam de arcar com mais gastos de hotel. Mas será justo colocar nos pés de um só jogador a honra da Pátria? Execra-se o infeliz que errou o chute, glorifica-se o goleiro que, numa cagada, segurou a bola (porque sabe-se que é impossível defender um pênalti por habilidade – a distância e a velocidade da bola não o permitem. Sejamos sensatos. Para decidir uma partida nessas condições dando oportunidades iguais aos contendores e respeitar suas habilidades, bastaria abrir a barra do gol em, digamos, meio metro, e continuar o jogo. Se, após um certo tempo o empate continuar, abre-se o gol em mais meio metro. Em algum momento alguém marcaria o gol da vitória. Que seria conquistado em igualdade de condições de um jogo normal, com a capacidade de cada um. Vão me dizer que é muito difícil, tecnicamente, abrir a barra do gol. Bobagem. Qualquer serralheiro de subúrbio é capaz de criar uma engenhoca para abrir as traves de um campo de futebol.

Severino Mandacaru

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Boa Sorte

 Sorte é quando competência e oportunidade se encontram



BOA SORTE

Engraçado, a palavra sorte sempre me remeteu a uma coisa boa.  Ouvia a palavra e me vinha a mente algum coleguinha feliz por ter ganho a figurinha rara ou o zerinho quando disputava quem ia escolher o melhor time.

Ultimamente esta palavrinha maldita tem se tornado um tormento para mim. Anda funcionando como se fosse um palavrão daqueles bem cabeludos que, nos-idos-tempos-dos-limites, as mães sapecavam pimenta na boca dos que se atrevessem a pronunciá-lo.

Tudo começou com o Zico. ... Ouvi ..dizer... que ao ser perguntado o  porquê de tanta sorte ao bater faltas ele respondeu: “Quanto mais eu treino, mais sorte eu tenho”. É verdade o Galinho treinava muito. Acontece que se bem me recordo na Copa do México, quando ele perdeu aquele pênalti, acho que foi para a França, a bendita sorte, mesmo ele tendo treinado à exaustão, não lhe deu a menor bola. Que fique claro, não estou crucificando o talentoso Zico, estou é falando mal da sorte.

Passei a ter medo da sorte, pavor mesmo, desde que comecei a trabalhar como Consultora Imobliária.  Todo plantão é a mesma coisa, conversa vai, conversa vem e sempre tem alguma história de alguém que conhece alguém que teve a maior sorte: Faltava um minuto para terminar o plantão, apareceu um cliente e comprou três apartamentos de cobertura de frente para o mar na Vieira Souto. E, o que é pior: na verdade o felizardo, maldito, digo sortudo tinha só ido cobrir um plantão para o colega que teve um contratempo e não teve a sorte de estar no lugar certo na hora certa.

Além de treinar bastante chutes-a-gol, quero dizer: estudar o produto, saber quantos quartos, quantas torres o tamanho do terreno, a localização, a posição do sol, a implantação. Saber de cor todos os ítens da área de laser, que atualmente não são poucos!: pergolado, redário, biribol, piscina com borda infinita, bar molhado, espaço gourmet, garage band, horta, portaria, entrada, conciergerie  para citar apenas alguns.

Eu ia dizendo, além de treinar bastante, eu ainda tenho que depender da, com perdão da má palavra, SORTE?  E isso significa que se o indivíduo não treinar e tiver sorte ele vai vender? – É muito provável!

Então se é para depender da sorte eu quero ganhar sozinha na megasena  acumulada e com o dinheiro comprar um montão de apartamentos comigo mesma e com comissão quadruplicada. Em tempo, dispenso a borda infinita, o pergolado e o biribol rsrrsrsrsrs.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Carta aos Colegas*

*Revisada e editada na reunião semanal do “Depois da Oficina”



Queridos colegas,

Escrever, para nós, tornou-se penoso. É o que concluo a julgar pelo volume do material postado nas últimas semanas. Será inócuo perscrutar nas mentes o que nos reduziu a isso. Mas não será inútil tecer (é o meu ofício) algumas considerações em torno do impasse.

Agora entendo melhor a inquietação do Severino Mandacaru quando, debatendo-se em seu conflito sobre o desequilíbrio entre escrita e leitura, teve um surto de demência. Ele chegou à conclusão de que não haveria leitores suficientes para absorver tudo o que se publica. Lembrem-se que, no seu desvario, chegou a propor que se calculasse a quantidade de livros existentes nas livrarias, num determinado momento, e se comparasse com o número de leitores. Severino deu início ao seu projeto contando os volumes de uma livraria considerada padrão e chegou à expressiva cifra de 86.400 livros, contados nas prateleiras. Isso numa livraria, numa cidade, num só país. Estender a pesquisa a nível universal seria um trabalho inimaginável, tanto pela magnitude como pelo primitivismo da metodologia. Isto o enlouqueceu. Aparentemente.

Severino não estava tão maluco assim. Um dia depois que ele postou seu devaneio “Escrever”, (8 Agosto 2010) o suplemento “Digital” do Globo publicou a seguinte matéria do Google:

“Todo o bibliófilo que se preze já alimentou, em algum momento da vida, a inocente esperança de ler todos os livros do mundo”. Em seguida o artigo informa que, de acordo com uma pesquisa realizada, o mundo tem hoje 129.864.880 livros editados. Se multiplicarmos esse número pela quantidade de livros impressos em cada edição teremos, com algumas abstrações, o número que Severino buscava.

Depois disto não posso deixar de voltar ao assunto que ocupou nossas cabeças no “Depois da Oficina” quando, no auge da criatividade, e inflados pelos elogios de professores e colegas, cogitamos publicar um livro de crônicas bancando, nós mesmos, a edição. Não seria difícil, existem pequenas editoras que cuidam disso, os custos são baixos... e por aí vai.

Umberto Eco tratou desse assunto com muita propriedade. Podemos até discordar dele mas não ignorá-lo. Vejamos o que escreveu:

“Nos anos 70 comecei a me ocupar dos autores que chamei de “Quarta Dimensão” . A denominação vinha do fato de que eu definia como Primeira Dimensão a da obra em forma manuscrita, e como Segunda Dimensão, a da obra publicada por um editor sério. Calculando como Terceira Dimensão a do sucesso (visto que muitos autores, até excelentes, permanecem segregados na Segunda, destinados à picotadora ou aos reminder) eis que identifiquei a Quarta, aquela dos autores autofinanciados, em geral publicados por editoras especializadas em explorar esses talentos justamente incompreendidos. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Mas, em suma, ao fazer aquela pesquisa, cheguei a recolher uma pequena biblioteca de autores editados à própria custa que hoje, trinta anos depois, tem todas as condições para entrar no mercado do antiquariato”.

Em que pese o quadro desanimador que se apresenta ao escritor principiante, acho oportuno avançar um pouco mais na discussão do tema e me permito fazê-lo com o beneplácito que se concede aos leigos. O fato de um texto não lograr êxito junto aos editores não deve constituir motivo de desânimo. Lembram-se do que a crítica disse da peça “Um Elefante no Caos”, de Millor Fernandes? (“De Aplausos e de Vaias”) Pois bem, Umberto Eco colecionou uma lista enorme de críticas recebidas por escritores desconhecidos que um dia se tornariam famosos:

“Não achamos que podemos funcionar no mercado da literatura para jovens. É longo, de estilo antiquado e cremos que não merece a reputação de que parece gozar”. Palavras com as quais Moby Dick foi recusado na Inglaterra em 1851.

“Cavalheiro, o senhor sepultou seu romance num cúmulo de detalhes que são bem desenhados mas totalmente supérfluos”. Com esta carta Flaubert, em 1856, viu repelida sua Madame Bovary.

“Dúvida. As rimas estão todas erradas”. Assim o primeiro manuscrito de poemas de Emily Dickinson foi rejeitado em 1862.

“Decididamente, dá nos nervos... ilegível. O sentido do esforço torna-se exasperante ao máximo grau. Não há história”. Henry James, “A Fonte Sagrada”, em 1901.

“No final do livro, tudo se desintegra. Tanto a escrita quanto as idéias explodem em fragmentos meio úmidos como polvorim molhado”. James Joyce, “Dedalus”, em 1916.

“A historia não chega a uma conclusão. Nem o caráter, nem a carreira do protagonista parecem chegar a um ponto que justifique o final. Em suma, parece que a história não se conclui”. Francis Scott Fitzgerald, “Este Lado do Paraíso”, em 1920.

“Meu Deus, meu Deus, não podemos publicá-lo. Acabaremos todos na prisão”. Faulkner, “Santuário”, 1931.

“ Impossível vender histórias de animais nos USA”. George Orwell, 1945, “A Revolução dos Bichos”, em 1945.

A lista segue, extensa, interessante, mas seria cansativo continuá-la. O que não se pode é deixar de ler o parágrafo com que Umberto Eco encerra o seu texto “A Loucura dos Especialistas” : “O que nos impressiona, nessas histórias, é que se trata de avaliações contemporâneas, feitas no calor dos fatos. Como para nos avisar que convém deixar as obras de arte em repouso, como os vinhos” .

Queridos colegas, exultemos! Não há porque chorar se nos estraçalham. Provavelmente o merecemos. De qualquer modo, nos dias de hoje tudo é mais fácil. A rede de “especialistas” expandiu-se de tal maneira que é possível diluir as magoas que eles provocam bem como precaver-se dos excessos laudatórios com os quais, raramente é verdade, somos brindados. Se você receber elogios alegre-se e vá em frente. Se você receber uma avaliação condenando o seu trabalho, alegre-se também, procure entendê-la, e continue trabalhando.

Porque o que dói mesmo é não receber nada. A indiferença dói mais do que a ofensa. E aí, não sei o que dizer. Você pode ser apenas um gênio incompreendido. Ou pode ser um grande talento, que precisa deixar suas obras descansando. “Como os vinhos”.

Luigi

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Balangandãs




Claudia Bontempo

Lourdinha nem tinha um corpo escultural, a bundinha era um pouco para dentro, nem rosto de princesa, o nariz aquilino denunciava a descendência espanhola. Mas a faceirice no olhar, o jogar dos cabelos quando falava davam um charme ímpar àquela tijucana . O irmão, Calixto, um tipo ciumento e musculoso, seguia seus passos como um cão de guarda e inibia os fiufius dos rapazes nas tardes de domingo da praça Sães Pena.

Todos se gabavam para ver quem seria o primeiro corajoso a convidar Lourdinha para a tarde dançante do Tijuca Tênis Clube. Enquanto isso,Juarez, um estudante do colégio militar, fora da confusão, bolava um jeito de chegar perto da espanholinha sem despertar a ira do peso pesado.

- Comida quente se come pelas beiradas.

E passou a segui-la de longe, pelas ruas do bairro, prestando atenção aos detalhes de sua rotina. A hora em que pegava o lotação para o colégio, o salão de beleza que fazia pedicure, a missa que assistia na paróquia com a família. Numa dessas idas e vindas, viu Lourdinha entrar em uma lojinha de presentes, sempre com o fortão do lado, mas sair sem indícios de compra e achou-a um tanto quanto amuada.

Juarez entrou logo depois no estabelecimento e, conversa vai, conversa vem, com a vendedora, perguntou-lhe qual o mimo despertara o interesse da moça. Ela prontamente lhe mostrou uma pulseirinha de prata cheia de balangandãs que tilintavam e brilhavam na luz. Achando que essa seria a oportunidade de ter um lugar ao sol no coração de Lourdinha, comprou o presentinho e pediu que entregasse na sua casa com um bilhetinho que dizia:

“ Meu coração bate por você na cadência do tilintar desses balangandãs, se quiser me conhecer coloque a pulseirinha e me espere no muro atrás da paróquia, hoje às seis da tarde”

Juarez foi para casa imaginando a entrada pela porta principal do Tijuca Tênis Clube de braço dado com Lourdinha trajando vestido de fustão e sapato de verniz. Dançariam a noite inteira diante dos olhares despeitados dos rapazes, na varanda talvez lhe roubasse um beijo. A boquinha, os cabelos, os olhinhos de Lourdinha.

No mesmo dia às seis da tarde, no muro atrás da igreja, um Juarez nervoso e excessivamente perfumado encontrou Calixto, de casaco e pantalona de couro, sacolejando o pulso com a pulseira de prata de balangandãs que lhe lançou um olhar lânguido. Só faltaram as castanholas.