Claudia Bontempo
Morávamos numa cidade muito pequena, cheia de passarinhos em que a vida passava devagar. Meu pai era funcionário da única fábrica do lugar e minha melhor amiga, Suzaninha, era a filha do gerente geral. Nossas mães eram amigas desde pequenas, mas tinham situação financeira diferente. D. Aparecida podia andar de vestido, sapato e batom comprados na capital. Nos finais de semana a família assava carne na churrasqueira que tinha em casa.
Quando chegou a primavera Suzaninha veio me falar toda prosa que ia se mudar. O pai tinha sido transferido para a sucursal e morariam em apartamento com direito a automóvel. Fui correndo atrás dela festejar a notícia com a família que estava toda reunida nos sofás da varanda. Os filhos todos em volta do pai orgulhoso pela promoção que mereceu. Um vai e vem de vizinhos para parabenizá-lo, a maioria funcionários da fábrica aproveitando uma boquinha nos quitutes. Os homens improvisando discursos, algumas mulheres chorosas já imaginando saudades, crianças no quintal se engalfinhando nas brincadeiras. À noite quando voltei para casa custei a dormir pensando na vida boa que esperava Suzaninha e como eu também queria para mim.
No dia seguinte, bem cedinho, fui chamá-la para a escola e entrei pelo portão aberto do quintal. Ouvi um choro baixinho perto da churrasqueira e espiei de longe. Dona Aparecida metida num vestido florido, tinha os cabelos louros desalinhados e as bochechas rosadas. Estava encostada no muro enquanto um rapaz, abraçado a ela sussurrava na sua orelha e limpava suas lágrimas com as costas das mãos. Ao lado dos dois um cesto cheio de mudas de violetas emborcado no chão. Fiquei com medo que me reparassem e corri. Mas voltei e chamei por Suzaninha.
O rapaz pegou o cesto, disfarçou e começou a plantar as mudas no jardim. D. Aparecida fingiu varrer o quintal. Minha amiga veio com cara de sono ao meu encontro. No caminho, ela agitada falava das novidades que viriam com a mudança, enquanto eu ia quieta. Na esquina da escola, estranhando a minha mudeza, perguntou se eu estava chateada com a sua partida. Estava também, mas naquele momento era a angústia da descoberta da tristeza de D. Aparecida que me deixava muda. Cena mais ruim de se ver. Menti para Suzaninha e disse que era só chateação pela sua partida mesmo.
Aquela foi a última primavera que passei com Suzaninha. Depois vieram outros donos para a sua casa que cimentaram o jardim de Dona Aparecida e fizeram piscina. O plantador de violetas eu nunca mais vi. Mas os passarinhos ainda ficaram algum tempo por lá.
Claudia
ResponderExcluirSe me perguntassem como eu classificaria este seu escrito diria que são “Memórias Inventadas” Esta é a forma que encontrei para classificar a sua narrativa, que flui na leveza com que você junta as palavras, na descrição romântica da paisagem e na caracterização dos personagens. Assim, você cria um cenário que bem poderia ter sido o da sua adolescência. De repente, um choque dramático - a cena no quintal - expõe a vida subjacente àquele mundo bucólico, com suas escolhas, suas paixões, seus conflitos.
A continuação do texto retoma a placidez original e conclui com a mesma beleza de sempre, devolvendo ao leitor a quietude com que conheceu o cenário e seus personagens. Uma linda história e um tema para refletir.
Luigi
Cláudia querida,
ResponderExcluirgostei muito! Mas vou comentar depois com mais calma! Bjs Miranda!