segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Primavera de Suzaninha



Claudia Bontempo

Morávamos numa cidade muito pequena, cheia de passarinhos em que a vida passava devagar. Meu pai era funcionário da única fábrica do lugar e minha melhor amiga, Suzaninha, era a filha do gerente geral. Nossas mães eram amigas desde pequenas, mas tinham situação financeira diferente. D. Aparecida podia andar de vestido, sapato e batom comprados na capital. Nos finais de semana a família assava carne na churrasqueira que tinha em casa.

Quando chegou a primavera Suzaninha veio me falar toda prosa que ia se mudar. O pai tinha sido transferido para a sucursal e morariam em apartamento com direito a automóvel. Fui correndo atrás dela festejar a notícia com a família que estava toda reunida nos sofás da varanda. Os filhos todos em volta do pai orgulhoso pela promoção que mereceu. Um vai e vem de vizinhos para parabenizá-lo, a maioria funcionários da fábrica aproveitando uma boquinha nos quitutes. Os homens improvisando discursos, algumas mulheres chorosas já imaginando saudades, crianças no quintal se engalfinhando nas brincadeiras. À noite quando voltei para casa custei a dormir pensando na vida boa que esperava Suzaninha e como eu também queria para mim.

No dia seguinte, bem cedinho, fui chamá-la para a escola e entrei pelo portão aberto do quintal. Ouvi um choro baixinho perto da churrasqueira e espiei de longe. Dona Aparecida metida num vestido florido, tinha os cabelos louros desalinhados e as bochechas rosadas. Estava encostada no muro enquanto um rapaz, abraçado a ela sussurrava na sua orelha e limpava suas lágrimas com as costas das mãos. Ao lado dos dois um cesto cheio de mudas de violetas emborcado no chão. Fiquei com medo que me reparassem e corri. Mas voltei e chamei por Suzaninha.

O rapaz pegou o cesto, disfarçou e começou a plantar as mudas no jardim. D. Aparecida fingiu varrer o quintal. Minha amiga veio com cara de sono ao meu encontro. No caminho, ela agitada falava das novidades que viriam com a mudança, enquanto eu ia quieta. Na esquina da escola, estranhando a minha mudeza, perguntou se eu estava chateada com a sua partida. Estava também, mas naquele momento era a angústia da descoberta da tristeza de D. Aparecida que me deixava muda. Cena mais ruim de se ver. Menti para Suzaninha e disse que era só chateação pela sua partida mesmo.

Aquela foi a última primavera que passei com Suzaninha. Depois vieram outros donos para a sua casa que cimentaram o jardim de Dona Aparecida e fizeram piscina. O plantador de violetas eu nunca mais vi. Mas os passarinhos ainda ficaram algum tempo por lá.

2 comentários:

  1. Claudia
    Se me perguntassem como eu classificaria este seu escrito diria que são “Memórias Inventadas” Esta é a forma que encontrei para classificar a sua narrativa, que flui na leveza com que você junta as palavras, na descrição romântica da paisagem e na caracterização dos personagens. Assim, você cria um cenário que bem poderia ter sido o da sua adolescência. De repente, um choque dramático - a cena no quintal - expõe a vida subjacente àquele mundo bucólico, com suas escolhas, suas paixões, seus conflitos.
    A continuação do texto retoma a placidez original e conclui com a mesma beleza de sempre, devolvendo ao leitor a quietude com que conheceu o cenário e seus personagens. Uma linda história e um tema para refletir.

    Luigi

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  2. Cláudia querida,
    gostei muito! Mas vou comentar depois com mais calma! Bjs Miranda!

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