!Desayuno en Buenos Aires
No primeiro dia em Buenos Aires, acordamos bem dispostos e descemos para tomar o café da manhã, no elevador do hotel, começamos a planejar o que faremos pela cidade.
O restaurante fica ao lado direito da recepção, é aconchegante e decorado com bom gosto. Poucas mesas, cobertas por toalhas beges e guardanapos bordados com o nome do hotel, cadeiras de estilo clássico, com assentos de couro macio. Um cheiro gostoso exala de uma bancada farta de medias lunas, tortas de frutas, iogurte, sucrilhos, pães de forma, ovos mexidos, frios variados, manteiga, geléia, alguns tipos de sucos, café e leite quente .
Num canto por detrás de um pequeno bar, em madeira de lei, um barman, bigodudo e macambúzio, enxuga copos e os coloca, um a um de encontro à luz, para verifica-lhes a limpidez .
A praga dos aparelhos de TVs em salas de refeições também já chegou a Buenos Aires, já que uma LCD – ligada, sem som – mistura-se aos quadros da parede. Monótono, um programa de corridas de cavalos chama atenção apenas pela cafonice das mulheres enchapeladas, dos homens engravatados e de jóqueis semi anões que se confraternizam ao final de cada prova .
Os hóspedes , quase todos brasileiros, alguns falam baixo e bocejam entre os ovos mexidos , outros lêem jornal, solitários, ao lado da xícara de café. A atmosfera do lugar não é silenciosa, mas sussurra em respeito àquela hora da manhã.
Subitamente, a campainha do elevador soa e ele irrompe pelo salão adentro como uma trovoada. È um sujeitos branquelo e longilíneo, armado de um celular de alto calibre, que utiliza sem parcimônia e aos berros. Tosse, e tosse sem parar, sobre qualquer coisa ou pessoa que estiver no seu caminho e bilhões de perdigotos ensandecidos atacam aquela ilha de tranqüilidade. Enquanto ele se serve de seu desayuno, as tornas de frutas desandam, os frios se encolhem , o leite e o café esfriam, as medias lunas murcham de vergonha .
Os hóspedes não se concentram , nem na enfadonha LCD, nem no El Clarin esparramado e o barman guarda os copos e escapole por uma porta que se abre para algum lugar, muito longe dali.
E o homem tosse, tosse, tosse. Não. Entre uma tosse e outra ele fala com alguém ao celular. E nós escutamos, rimos e tentamos não rir e nem escutar. Estamos confusos, mas ele tem convicção de que tosse, e tosse sobre nós, e que deve gritar ao celular.
No dia seguinte, a tranqüilidade é a mesma, o barman está de volta, o café da manhã é farto, os hóspedes continuam quase todos brasileiros, os jornais ainda são El Clarins, a campainha do elevador soa... O branquelo irrompe o salão e recomeça a tossir e a berrar ao celular.
Tudo acontece de velho, igual, tão idêntico de dar pena de nenhuma juventude. Somos reféns da irritação da laringe daquele indivíduo e não conseguimos nos livrar de seus perdigotos, a tosse retoma o que já foi visto, o que já houve, o que pensamos ter acabado.
E no terceiro dia, conformados, somente aguardamos . Acostumamo-nos com o que não tem mais jeito , sabemos que tudo ali está fossilizado a espera do homem chegar. A campainha do elevador soa e a tosse irrompe o salão, os berros ao celular ...os perdigotos.. Estamos presos ao refrão de uma desagradável canção , não reclamamos, aceitamos, não temos mais escolha.
Mas no quarto dia, a campainha do elevador soa e nada acontece. Ele se foi do Hotel.
Então, os hóspedes se entreolham e brindam, com café com leite, à suculência das médias lunas que voltaram a desabrochar naquela manhã.
Claudia Bontempo