quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

UMBERTO ECO

Ninguém deu pelota para o Umberto Eco.
Por que? Porque ele falou a verdade, ou porque ele mentiu?
Ele disse: “Porque é verdade.”
Se ele estivesse mentindo, toda a mentira que ele recomenda seria uma verdade. Então, onde está a verdade?
Uma boa mentira vale mais do que meia verdade?
Existem mentiras grandes e mentiras pequenas?
Como você mediria uma mentira? Pela extensão da frase que a contém?
Ou pela gravidade do dano – ou benefício – que causou?
Por que ninguém fala? Medo de dizer a verdade?
Abraços. Até a próxima mentira.

Luigi (que saudades do Severino!)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ei você aí me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí!


Aqui pertinho de casa, tem um mendigo que nunca pediu dinheiro. Mendigo ou morador de rua? Existe uma definição? Não sei de nada, como já disse, mas desconfio muito. O mendigo, digo o morador de rua, mora na rua desde que eu vim morar aqui, há 15 anos. Ou ele já morava antes? Eu o chamo de Tatuagem.

Alto, magro, sempre de bermudas, nunca o vi usando camisa. Anda quase sempre descalço. Uma vez ou outra usa uma daquelas democráticas sandálias que não deveriam soltar as tiras. Tatuagem está sempre com um sorriso no rosto que, não pude deixar de notar, ao longo destes anos, mudou muito. Quase não há mais dentes em seu sorriso.

Tatuagem me ajuda. Se preciso passar num lugar aqui pertinho, e que eu sei que é perigoso, pergunto: - Tatuagem posso ir?
- Tá liberado, pode ir. Responde. E nos segue com o olhar para ver se nem um pivete vai bulir comigo ou com as meninas. Quando minhas filhas eram pequeninas, me ajudava a atravessá-las no sinal. Se certificadva se os carros haviam parado e como um guarda de trânsito, me fazia sinal para seguir tranquilamente.

Tatuagem nunca me pediu nada. Nosso relacionamento é de vizinhos: - Oi tudo bem?
- Tchau!
- Nossa que chuva a de ontem, hein?
Vejo que ele gosta de conversar. Está sempre trocando um dedo de prosa com o guardador de carros e com o segurança aqui da rua. Tatuagem não assiste televisão. Sorte a dele. Assim não precisa assistir a total mendicância que virou a televisão brasileira.

Já pela manhã bem cedinho, acreditando talvez que deus ajuda a quem cedo madruga começam os pastores a pedir. Ultimamente ando obcecada por um pastor americano que pede nada menos que NOVECENTOS reais. O pastor é um velhinho de cabelos escandalosamente pintados de preto, com um rosto de biscoito "Trakinas". Será que alguém deposita os, repito, NOVECENTOS reais na conta do pastor traquinas?
Seguindo os pastores, seus pedidos e seus sermões, começam os jornais locais com pedidos de dinheiro e tudo o mais para as tragédias locais. Os programas femininos tem um jeitinho todo especial de pedir o tutu, entre uma receita e outra, lá vai o número da conta.
A tarde a programação infantil pede descaradamente para que a criança enlouqueça seus pais pedindo para que les comprem " de um tudo" sem limites.
A noite os jornais "nacionais" pedem dinheiro para tragédias mundiais. Tsunamis, tufões e furacões.
Nos fins de semana, que a tv brasileira descansa e nos brinda com uma programação lamentável, vêm os shows, para pedidos de dinheiro. Pestalozzi, criança esperança, teleton etc e tal e infinito e além.
Isto sem contar com os pedidos do governo, que para poder manter a pobreza (seu eleitorado) aumenta os impostos, cria novos impostos e não repasssa nada.

domingo, 20 de dezembro de 2009

MENSAGEM DE UMBERTO ECO
para: http://www.depoisdaoficina.blogspot.com/

"Porque é verdade. Mas não penses que te censuro. Se queres transformar-te num homem de letras, e quem sabe um dia escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois senão a tua história ficaria monótona. Mas terás que fazê-lo com moderação. O mundo condena os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre coisas mínimas, e premia os poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas."
Umberto Eco
E eu, que não sei mentir? Luigi

sábado, 19 de dezembro de 2009

LETRAS MIUDAS DO CONTRATO


“Pai, vamos esperar o sol nascer?”
“Vamos, filho, vamos.”

Era o Caio, meu sobrinho neto, beirando os nove anos, que convidava o pai para mais um programa selecionado entre os tantos que este, um fervoroso admirador da natureza, vinha proporcionando ao filho desde tenra idade.
O nascer do sol já havia sido contemplado de muitos lugares: da praia do Arpoador, da Praia da Barra, da Pedra do Leme, das montanhas de Nova Friburgo e de onde mais se possa imaginar. Desta vez, seria da janela do apartamento. Decididamente Fernando havia transformado o filho num grande apreciador dos fenômenos naturais, respeitador da fauna e da flora e num arguto observador de tudo o que se passa no mundo, desde a cozinha de sua casa até o Estádio do Maracanã.

Eram onze horas da noite, provavelmente. O pai lia o jornal. Caio caminhava de um lado para outro, excitado, prelibando o espetáculo do alvorecer ao qual assistiria na companhia confortadora do pai. Este, depois de alguns momentos, dobrou vagarosamente o jornal, encaminhou-se para o quarto, e deitou-se para dormir.

“PAI! Você não disse que ia esperar o sol nascer?”

“Disse, meu filho, e vou. Vou esperar o sol nascer, deitado na minha cama, porque é mais confortável. Você não me perguntou se eu queria “esperar” o sol nascer?. Então, você pode fazer a mesma coisa deitado na sua cama. Agora, se você quiser “ver” o sol nascer, você pode ficar lá na janela. De lá você vê. E olhando amorosamente para o filho, enfiou-se embaixo das cobertas.

Guilherme, o irmão mais velho, que contemplava a cena, apontando o dedo para o nariz de um desapontado Caio, com voz solene e pausada, declara:

“Letras miúdas do contrato, Caio, letras miúdas do contrato!”

Pra não perder o costume...

!Desayuno en Buenos Aires

No primeiro dia em Buenos Aires, acordamos bem dispostos e descemos para tomar o café da manhã, no elevador do hotel, começamos a planejar o que faremos pela cidade.

O restaurante fica ao lado direito da recepção, é aconchegante e decorado com bom gosto. Poucas mesas, cobertas por toalhas beges e guardanapos bordados com o nome do hotel, cadeiras de estilo clássico, com assentos de couro macio. Um cheiro gostoso exala de uma bancada farta de medias lunas, tortas de frutas, iogurte, sucrilhos, pães de forma, ovos mexidos, frios variados, manteiga, geléia, alguns tipos de sucos, café e leite quente .

Num canto por detrás de um pequeno bar, em madeira de lei, um barman, bigodudo e macambúzio, enxuga copos e os coloca, um a um de encontro à luz, para verifica-lhes a limpidez .

A praga dos aparelhos de TVs em salas de refeições também já chegou a Buenos Aires, já que uma LCD – ligada, sem som – mistura-se aos quadros da parede. Monótono, um programa de corridas de cavalos chama atenção apenas pela cafonice das mulheres enchapeladas, dos homens engravatados e de jóqueis semi anões que se confraternizam ao final de cada prova .

Os hóspedes , quase todos brasileiros, alguns falam baixo e bocejam entre os ovos mexidos , outros lêem jornal, solitários, ao lado da xícara de café. A atmosfera do lugar não é silenciosa, mas sussurra em respeito àquela hora da manhã.

Subitamente, a campainha do elevador soa e ele irrompe pelo salão adentro como uma trovoada. È um sujeitos branquelo e longilíneo, armado de um celular de alto calibre, que utiliza sem parcimônia e aos berros. Tosse, e tosse sem parar, sobre qualquer coisa ou pessoa que estiver no seu caminho e bilhões de perdigotos ensandecidos atacam aquela ilha de tranqüilidade. Enquanto ele se serve de seu desayuno, as tornas de frutas desandam, os frios se encolhem , o leite e o café esfriam, as medias lunas murcham de vergonha .

Os hóspedes não se concentram , nem na enfadonha LCD, nem no El Clarin esparramado e o barman guarda os copos e escapole por uma porta que se abre para algum lugar, muito longe dali.

E o homem tosse, tosse, tosse. Não. Entre uma tosse e outra ele fala com alguém ao celular. E nós escutamos, rimos e tentamos não rir e nem escutar. Estamos confusos, mas ele tem convicção de que tosse, e tosse sobre nós, e que deve gritar ao celular.

No dia seguinte, a tranqüilidade é a mesma, o barman está de volta, o café da manhã é farto, os hóspedes continuam quase todos brasileiros, os jornais ainda são El Clarins, a campainha do elevador soa... O branquelo irrompe o salão e recomeça a tossir e a berrar ao celular.
Tudo acontece de velho, igual, tão idêntico de dar pena de nenhuma juventude. Somos reféns da irritação da laringe daquele indivíduo e não conseguimos nos livrar de seus perdigotos, a tosse retoma o que já foi visto, o que já houve, o que pensamos ter acabado.

E no terceiro dia, conformados, somente aguardamos . Acostumamo-nos com o que não tem mais jeito , sabemos que tudo ali está fossilizado a espera do homem chegar. A campainha do elevador soa e a tosse irrompe o salão, os berros ao celular ...os perdigotos.. Estamos presos ao refrão de uma desagradável canção , não reclamamos, aceitamos, não temos mais escolha.

Mas no quarto dia, a campainha do elevador soa e nada acontece. Ele se foi do Hotel.
Então, os hóspedes se entreolham e brindam, com café com leite, à suculência das médias lunas que voltaram a desabrochar naquela manhã.

Claudia Bontempo