A professorinha preocupava-se com a minha pronúncia e com a minha saúde. Trabalhando no turno da noite, minha pele havia adquirido um tom metálico fosco, parecido com o da prata já coberta pela pátina do tempo. A fábrica Bangu era o meu segundo emprego, depois da escola. Eu entrava às dez da noite e saía às seis da manhã. No caminho de casa eu parava sempre no mesmo bar e “jantava” dois ovos fritos e uma cerveja. Eu seguia o conselho que me havia sido dado pela professorinha:
--“ Eat many eggs!” , dizia-me sempre, e repetia a frase acenando-me e gritando do portão de sua casa, quando, terminada a aula, eu me afastava. Em sinal de reconhecimento eu me virava e levantava as mãos para o céu. Não sei bem o que aquilo significava mas pelo sorriso que via em seu rostinho magro percebia que ela ficava contente.
No meu jantar das seis da manhã eu sentava sempre numa mesa da calçada. As pessoas que passavam balançavam a cabeça e podia-se ler o que pensavam:
“Pobre coitado, começando a uma hora destas, imagina como estará quando chegar de noite”.
Um dia ela me falou de Deus. Eu, que considerava Deus apenas um amigo de infância, interessei-me, e perguntei onde ficava a sua igreja.
-- We have no church. We pray in the streets.
Passei a venerar a professorinha que rezava nas ruas, sem imagens nem templos.
Na flor da juventude, foi graças aos seus conselhos que sobrevivi por mais de um ano àquele regime de trabalho noturno que subjuga o homem à mais cruel solidão. Não havia passeios. Não havia namoro. Não havia festas. Não havia cinema nem teatro. Não havia sono. Não havia despertar. Não havia nada.
-- “Eat many eggs!”
Só havia a professorinha, dois ovos fritos e uma cerveja casco escuro. Todos os dias.
Luigi
Incrível como você conseguiu dar ao texto as nuances da professorinha e da solidão! Na verdade nem sei bem como explicar! Como diria Miranda eu gostei do seu texto.
ResponderExcluirRepito: ei cadê todo mundo?
Sempre atrasada, cheguei!!!!
ResponderExcluirUma coisa interessante deste texto é que, apesar de serem parte das memórias severinas, tem um tom de ficção. Talvez porque tem menos citações. Legal.
beijos
Monica