quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Banana do Gambá

- Oi, Alzira? Sou eu. Olha, eu tive que sair correndo, se não perdia o ônibus. Escuta, deixei comida na geladeira pra você e o Pedrinho; tirei a roupa da corda, que parece que vai chover. Aaqui, não esquece de botar o lixo pra fora. A banana do gambá está em cima da cômoda. Tchau, heim, fica com Deus. Tchau...tchau.
Desligou.

Eu estava quase adormecendo na minha poltrona da Mil e Um, saindo de Friburgo, quando ouvi a mulher falando ao telefone, sentada junto ao corredor, um banco adiante do meu.
“A banana do gambá está em cima da cômoda”. Quis perguntar-lhe:
- A senhora tem um gambá? – mas antes que eu abrisse a boca a sua vizinha puxou conversa. Fiquei com a pergunta entalada na garganta.
Era obvio que ela tinha um gambá. Mas, como seria? Estaria preso numa gaiola? Num curral? Seria apenas um visitante que passava todas as noites para recolher sua refeição? Ele encontraria sua banana todas as noites? A recomendação feita à Alzira dá a entender que sim.
Eu não tirava os olhos da mulher. Esperava apenas que ela fizesse uma pausa na conversa com a vizinha para fazer-lhe a pergunta. E nada. O tempo passava. Que idiota. Eu deveria tê-la interrompido logo no começo, agora ficava difícil. A vizinha não parava de falar. E o tempo passava.

Comecei a pensar nos meus gambás, que se acomodavam no teto da casa. Que roubavam os vestidinhos das bonecas para acolchoarem seus ninhos. Que comiam as bananas deixadas expostas na cozinha. Lembrei-me de quando um filhote escorregou das telhas e ficou vagando pelo sótão. Levei-o dentro de uma caixa de madeira até a margem de um riacho, em pleno bosque, onde teria água e comida. Desconfiado, não queria sair da caixa. Esticou o pescoço, nossos olhos se encontraram. Eram "duas contas pequeninas que brilham mais que o luar".  Ele deu um salto e desapareceu na ribanceira.
E a mulher conversava, e conversava...
- Boa viagem, bondosa senhora! Cuide bem do seu gambá.

Luigi





Um comentário:

  1. imaginei logo a cena: Severino Mandacaru, de chapéu cor de creme combinado com as elegantes calças de linho, olhos azuis (italianos) e pele curtida pelo sol nordestino com aquele ar de alcoviteiro que só ele tem. Adorei o texto!
    Terça-feira lá em casa às 19:00hs.

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