segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Pulinho da Santinha






Claudia Bontempo

Da varanda da minha casa, se eu ficasse na pontinha dos pés e esticasse o pescoço, dava para ver a igreja da Penha e seus dois sinos. Se desse uns pulinhos, conseguia até ver a rocha sem vegetação enfeitada por ela. Então, quando me metia em alguma confusão de menina, eu ia me espichar lá fora . Como não sabia rezar direito, só o esforço que fazia para olhar a igrejinha, já achava ser suficiente para que Nossa Senhora da Penha olhasse por mim e me tirasse da enrascada. Ninguém acreditava naquela minha fé na Santinha. A vó Zeca ralhava com medo que eu tropeçasse ou ficasse com torcicolo. Meu pai achava bonitinho e balançava a cabeça pra lá e pra cá. Minhas irmãs zombavam e faziam fofoca – “está é pulando para perder uns quilinhos”. Eu torcia para crescer e poder rezar sossegada.

Uma noite estava a maior chatice, sem nada para brincar e o Francisquinho, meu vizinho que morava em frente, veio com a conversa da gente fumar cigarro.Eu quis. Chamei as meninas, que não gostaram da idéia, fizeram cara feia, disseram uns sermões, mas foram só por curiosidade. Pegamos umas folhas de jornal, uma caixa de fósforo e corremos escondidos para o banheiro dele. Enrolamos e acendemos um pedaço de jornal, já que ninguém tinha dinheiro para comprar fumo de verdade. O troço começou a pegar fogo e eu enfiei rápido na boca, puxando com toda a força. Não contava que ia engasgar com a fumaça que entrou que nem fogo no meu peito. Via tudo rodando e não respirava. Só tossia.

As meninas choravam , o Francisquinho não sabia o que fazer. Era só apavoramento. Eu tentava pedir para eles irem na varanda de casa gritar para a Santinha vir me acudir. Mas não conseguia falar e só tossia. Além disso, estavam com medo de abrir a porta, os adultos descobrirem e a gente levar cascudo. Me abanavam, sopravam, batiam nas minhas costas. Até que alguém lembrou de empurrar com a mão uma janelinha que tinha no banheiro. Pela fresta de ar e luz, descobri a visão mais linda da Igreja da Penha. Eu nem sabia que era o dia da procissão e ela estava mais iluminada do que nunca. Achando que ia morrer, me passaram pela cabeça as estórias da minha vó, que me assombravam o sono, sobre os romeiros que subiam as escadarias da Penha de joelhos e chegavam lá em cima com eles pingando sangue, para agradecerem um milagre. Então, falei em pensamento ;

- Valei-me Santinha que eu vou ralar meus joelhos até o osso, na sua escadaria, se eu voltar a respirar.

Aos poucos fui parando de tossir, respirando. O cheiro da fumaça foi acabando. Nós limpamos a bagunça e saímos do cubículo. Desconfiados, ligeiros, cabisbaixos. Francisquinho, que nem falava de tanta vergonha de não ter protegido as mocinhas, foi se meter para dentro do quarto. De volta para nossa casa, as meninas foram sentar quietinhas no sofá da sala, ajeitando os vestidinhos. Eu fui pular na varanda e medir o tamanho da pirambeira que ia ter de subir de joelhos, só para agradecer à Santinha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário