sexta-feira, 16 de abril de 2010

Uma Cigana na Parede



O deprimido é um ser rejeitado, até por ele mesmo. Ninguém gosta de estar deprimido, ou de estar ao lado de alguém deprimido.Eu sei o que é isto, já estive dos dois lados.


Para o deprimido tudo é difícil: o muro é muito alto, a dor é muito grande, a noite é muito longa.


Depois de seis anos, em morna, depressão, consegui, com muita luta, e com a ajuda do Dr. Freud e de sua fiel assistente (minha analista), sair deste estado da alma, que a muitos parece frescura, mas não é.


Deprimida havia me perdido de mim. Não me reconhecia mais, nem fisicamente. Meus cabelos não eram mais cor de mel, minhas roupas não me cabiam mais e o sorriso no rosto, marca registrada desde a infância, não estava mais lá.


Só uma coisa não mudou: a minha admiração pelo que é belo, pela arte.


Ainda bem tristinha, tomei coragem e fui viajar sozinha.


Hospedada em uma pequena cidade do estado de Nova Jersey (EUA), sempre que podia pegava o trem bem cedinho, parava em Hoboken (NJ), subia uma escadinha e pegava o path que me deixava na 33, bem no coração de Manhattam.


Não é fácil ser feliz, não é fácil ser livre. Passava os dias subindo e descendo aquelas ruas, sem saber muito bem o que fazer com tanto tempo e liberdade.


Perdida, não conseguia nem almoçar. Comprava duas barras de chocolate, uma "Pepsi" e, assim, passava o dia todo. Quando cansava, entrava numa livraria e, no ar condicionado, cercada dos melhores amigos de um deprimido: os livros, descansava.


Depois de umas duas semanas, já conseguia planejar alguma coisa. Fui ao Moma, ao Museu de História Natural, entrei em várias galerias de arte, no Soho. Almocei em Little Italy, um nhoque inesquecível.


Tão longe das minhas coisas, da minha, nada invejável, rotina de dona de casa, aos poucos fui me reencontrando.


O acaso, às vezes, me dava um empurrãozinho. E, foi por acaso, que eu vi uma exposição de quadros do meu pintor predileto: Amedeo Modigliani.


Naquele dia, pretendia ir ao Guggenheim, cheguei até a porta e resolvi não entrar, ia almoçar primeiro e voltaria depois se fosse o caso.


Indecisa, sem saber o que fazer e aonde almoçar,ainda pela Quinta avenida, andei mais dois quarteirões e vi uma fila enorme. Entrei na fila, para dar um tempo enquanto pensava.


Sorte a minha, a fila era para entrar no Jewish Museum, onde havia uma exposição das obras, dele mesmo: Modigliani.


De repente, fui invadida por uma alegria e uma felicidade que não cabem em depressão nenhuma.


Esperei a minha vez, entrei no museu e não tive mais medo de ser feliz.


Dei voltas e voltas naqueles salões repletos de lindos retratos. Os retratos, de Modigliani, são diferentes. Seus retratados ficam lindos com o olhar do artista. Ele é generoso. Os nus, apesar de terem escandalizado na época, são puros e sensuais. Isso já seria o bastante para que ele fosse o meu predileto.


Alguns meses mais tarde, de volta ao Brasil, passando por uma ruazinha, aqui mesmo em Botafogo, bem pertinho de casa, na porta de um brechó, dei de cara com um pôster que retratava uma cigana com uma criança nos braços.


Não via esta imagem desde os sete anos de idade. Um pôster igualzinho enfeitava a parede, da sala de jantar, da casa da minha infância.


Reconheci o traço, cheguei mais perto e li a assinatura: MODIGLIANI.


MIRANDA

Um comentário:

  1. Paçoca
    Escrever sobre si próprio com sinceridade é mais difícil do que escrever ficção. Só que você escreve ficção com sinceridade e aí fica difícil separar uma coisa da outra. Neste lindo texto entendo que você fala de si mesma, e com tal sinceridade que comove. Falar de depressão é perigoso. Todo o mundo se apressa a dar conselhos, nesse casos, e o que conseguem é apenas agravar a situação. Evocar passagens de nossa vida é muito agradável quando podemos compartilhá-las com amigos. Precisamos de amigos. Os familiares não servem para isso. Eles pertencem a outro mundo. Parabéns pela crônica.
    Seu amigo Severino

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