O rosto curtido, provavelmente pelo sol do nordeste, rugas de quem trabalhou na lavoura. Usava um chapéu fantasia que ornava com os cabelos grisalhos na altura dos ombros.Camisa listrada de vermelho e branco, acho que era de cetim, e calça verde escondendo as longas pernas.. Deu uma última tragada na guimba, soltou a baforada e sorriu para mim. Era uma segunda-feira cinza de outono. O homem-da-perna-de-pau entregou-me um papel com a propaganda de uma tinturaria nova no bairro. Na verdade este é o final deste texto que pretende ser uma crônica.
Comecei a esboçá-lo quando levava minha filha mais velha á escola. Vi uma senhora com roupão de banho, indo, provavelmente para a hidroginástica. Era uma senhora elegante, que combinava perfeitamente com aquele roupão azul marinho de veludo, com um emblema em dourado, talvez um brazão de família, sei lá...
Foi esse o mote que me desencadeou o esboço para esta crônica. Vendo o roupão, na mesma hora, me lembrei, que outro dia, vi um senhor muito distinto, vestido num desses roupões atoalhados, bem do tipo dos oferecidos em hotéis cinco estrelas para atestar luxo e requinte.O senhor ia todo faceiro, acho que para a natação, passou por um garotinho que olhou para trás mais de uma vez incrédulo. O garotinho devia estar pensando o mesmo que eu e que você caro leitor. Que estranho, que despudor, passear por aí como quem sai do banho!
Deixei a menina na escola, o carro na garagem e sai para minha caminhada matinal. Vinha pensando no roupão. Lembrei-me de minha mãe que usava um roupão que naquele tempo chamava-se robe. Robe-de-chambre, um galicismo que quer dizer: vestimenta comprida para ser usada em casa. Na verdade o que minha mãe usava, quando nos acordava para irmos à escola era um peignoir – penhoar também do francês: peça de vestuário feminino, que se usa pela manhã ao acordar ou após o banho.
Mamãe nos chamava para a escola, depois se vestia e todos tomávamos o café-da manhâ, juntos. Café-com-leite e pão com manteiga. Sem culpa e sem calorias a mais ou vitaminas a menos.
Recapitulando, o roupão de banho, lembrou-me o robe, que me levou aos seis anos e a minha mãe. A sensação de segurança, de acolhimento, de felicidade. Uma sensação gostosa e que me levou para longe da crítica que eu pretendia fazer neste texto às pessoas que saem à rua de roupão. Na verdade eu não tenho absolutamente nada com isso, e então porque criticar! Talvez porque era uma segunda-feira cinzenta de outono e meu coração também estava cinzento.
E o moço da perna-de-pau do início do texto? Ele me deu um sorriso acolhedor, além do fato de estar trabalhando com alegria sob a chuva em condições precárias. Que motivos eu teria para tanta melancolia?
Texto saboroso como os pãezinhos da foto. :)
ResponderExcluirQuerida Marcia
ResponderExcluirMais uma vez o seu talento aflora na produção de um texto leve e de leitura agradavel. A sua sensibilidade para com o sofrimento de alguns e o despudor de outros é um exemplo para os nossos corações empedernidos.Você tem razão: a melancolia nos assola porque não olhamos em volta. Gostaria de ter sido o homem da perna-de-pau.
Luigi