Nos meses de outubro e novembro de 2009 um grupo de malucos se encontrou em uma oficina de crônicas na Estação das Letras, sob a batuta do mestre Felipe Pena. O prazer de estarmos juntos foi tão grande que, ao fim do curso, entre chopes e batatas fritas, resolvemos prosseguir, mesmo sem saber onde isso vai dar. De lá para cá nos encontrando semanalmente para ler textos, nossos ou não, discutir literatura e falar da vida... E claro, beber alguma coisa, que ninguém é de ferro.
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Clarissa (Monica Noronha)
Foi aos 17 anos que a conheci. Linda. Rabo de cavalo castanho preso por um lenço colorido, do tipo que se usava também no pescoço. Calça jeans desbotada, sandálias sem salto, uma blusa estranha, meio hippie, colorida nas mangas, o resto azul e preto. E bordados, muitos bordados. Foram justamente os bordados que primeiro me chamaram a atenção, só depois eu olhei o meu primeiro amor. Tentei imaginar como seria o seu rosto com os cabelos soltos, mas o sinal de trânsito abriu, ela atravessou a rua e eu a perdi na multidão de Copacabana. Naquela noite sonhei com ela; a primeira de uma sucessão de noites em que tive medo de nunca mais vê-la. Avistei-a alguns dias depois, comprando picolé de chocolate na padaria. Não resisti e entrei. Trazia comigo apenas algumas moedas, que usei para comprar dois pãezinhos. Suava de pavor de ser descoberto em minha emboscada, pavor de não me sair a voz ao ser atendido. Sentia-me ridículo com os meus olhos incontroláveis a observá-la enquanto tirava o picolé da embalagem. À saída, derrubei uma pilha de biscoitos. O barulho fez com que ela olhasse em minha direção. Pela primeira vez eu quase morri. O meu rosto, naturalmente muito branco, queimava de nervoso, de vergonha e de raiva. Raiva de mim mesmo, raiva de quem eu pudesse culpar pelo desastre. E ela, ainda sorrindo, ajudou-me a recolocar os pacotes no lugar. Saímos juntos da padaria, descobri que se chamava Clarissa; combinamos de andar no calçadão no dia seguinte, de ir ao cinema no sábado à tarde. Convidei-a para o voley das quintas, as praias de domingo tornaram-se mais coloridas e seis anos depois nos casamos. Numa noite de chuva Clarissa não voltou para casa, nem telefonou para avisar que dormiria fora. Passou em casa de manhã para mudar de roupa – roupas que, gradativamente, foram desaparecendo do seu armário. Creio que na época eu já sabia que estávamos nos separando, mas nunca acreditei realmente que teria que reaprender a viver sem o seu sorriso. Um sábado ela me convidou para tomar chope e conversar fora de casa. Avisou que estava me deixando, sem dizer se dividiria o novo apartamento com alguém. Estava linda: vestido branco e preto com bordados nas mangas, o cabelo castanho preso com um lenço de seda. Pela segunda vez eu quase morri. Enquanto as palavras me estilhaçavam por dentro, sem querer entornei meu chope na mesa. Ela me olhou e tentou sorrir - como no dia da pilha de biscoitos, como nos muitos dias que vivemos juntos. Mas agora um sorriso sem cor, somente o esboço do seu sorriso. Pagamos a conta, nos despedimos com beijos no rosto, ela desceu a rua em direção ao novo endereço e desapareceu na multidão. Durante a semana passou lá em casa e levou consigo o que ainda havia de seu. Deixou as chaves escondidas entre as plantas da entrada e eu nunca mais a vi.
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Como é bom ver você de volta, Mônica. E com todo o vigor. Muito boa a sua história dos 17 anos. Muito romântica. Vejo que você está se aperfeiçoando na ficção, sem desrespeitar a biografia. Bacana!
ResponderExcluirMoniquinha,
ResponderExcluirgostei dos seus 17 anos e sobretudo da escolha das palavras. beijos da Paçoca