quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Último Conto de Réis


Claudia Bontempo

Todo ano era a mesma aflição. Tínhamos que dar o dinheiro do presente da professora. Eu ficava pedindo para a vó e ela me enrolando, dizendo que ia dar. Ia dar e não dava. Eu suspeitava que a mãe representante da turma, uma senhora de cabelos curtos e nariz fino, toda maquiada com pó de arroz e batom, me perseguia. As vezes, eu atravessava a rua para que não me visse, mas ela tinha olhos de águia e vinha por trás com aqueles dedinhos finos que me cutucavam as costas. Eu ficava gaga de susto até para inventar as mentiras. Ela soltava um risinho de canto de boca e falava; - então, amanhã você traz, né? Esquisita, mesmo.Parecia que se divertia com a minha agonia.

O problema é que ninguém lá em casa tinha dinheiro nem para o presente do pessoal da família, que dirá dos que não eram. Aniversário era dia de bolo e olhe lá. Ficava todo mundo contente de poder variar e não ter que comer pão com margarina no lanche da tarde. A gente cantava parabéns e depois comia o bolo inteiro de uma vez.

Mas teve um ano que eu resolvi me virar e tirar aquela mãe representante da minha cola já que eu vivia sobressaltada pela rua. Peguei uns jornais velhos para servir de banca, surrupiei uns gibis da coleção das minhas irmãs e fui vender na pracinha. Se o meu pai visse aquilo ia me encher de sermão e me dar um passa fora de volta para casa.Mas tive a idéia de colocar um boné de disfarce. Fiquei plantada por lá e logo apareceu o primeiro comprador. O pai da Marguinha me reconheceu, mesmo eu disfarçada, e comprou logo toda a mercadoria, uns 5 gibis .

Cheguei em casa, aliviada, mas quieta para ninguém descobrir que eu já tinha o dinheiro do presente da professora. Mas aí meu pai me chamou no quarto e falou- Olha aqui, toma um conto de réis que você está precisando. Ele falava com o nome antigo do dinheiro que já tinha mudado para cruzeiro, mas eu entendia mesmo assim. Aceitei. Agora eu tinha dois contos e fiquei pensando como é que ia gastar sem o pessoal saber. Estava toda enrolada, pois as meninas não tardavam iam dar falta de uns gibis da coleção. Tinha resolvido um problema e criado dois.

Na manhã seguinte quando fui para a escola, vi a mãe representante de turma e dei-lhe o dinheiro. Ela pegou com as pontas dos dedos- finos- olhou com desdém e falou ; – Um cruzeiro ? e fez ; - “tsc,tsc”. Dei de ombros e saí correndo sem nem olhar para traz, já pressentindo que tinha dado pouco.

À tarde na hora de sempre ninguém me chamou para ir comprar o pão. Tomamos um mingau de fubá que improvisaram lá para a gente e até que estava bem gostoso e quentinho. Mas as meninas reclamaram que não tinha pão e a vó falou que o meu pai tinha dado o último conto de réis dele para o presente da minha professora. Sem dinheiro, sem pão. A meninas me olharam de banda. E o pior é que eu tinha o dinheiro para comprar o pão, mas não me lembrava de nenhuma história para contar.

De noite eu estava tão atrapalhada das idéias que contei tudo para o meu vô. Dei o dinheiro para ele devolver para o pai da Marguinha e pedir de volta os gibis das meninas. O seu Edgar era um cara legal, entregou os gibis e ainda deu gargalhada.

No dia do aniversário na escola, a professora ficou feliz com a sandália branca que ganhou da turma. Meu vô resolveu tudo direitinho.

Um comentário:

  1. Você também teve seus delitozinhos da infância não é? Muito boa a sua crônica. Conte mais.
    Luigi

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