Já vai longe o tempo em que bebíamos vinho. Hábito de séculos passados. Em tempos modernos ou pós-modernos bebemos uma boa relação custo benefício.
Quando eu era criança em almoço de domingo ou dia de festa, meus pais serviam vinho. Na época, que não está tão distante assim, o vinho podia ser: bom ou ruim, seco ou suave, caro ou barato. Os tintos eram bebidos no inverno, no verão brancos ou roses. Os que tinham bolinhas eram do tipo champagne e, geralmente eram servidos com bolo de casamento de gente rica. Em casamento de gente pobre, servia-se uma sidra mesmo.
A classe média de então bebia principalmente vinhos da Península Ibérica. Os menos abastados bebiam o popular Sangue de Boi, que vinha em garrafões de cinco litros.
Os vinhos tintos acompanhavam carnes, os brancos peixes e pronto, não se falava mais nisso.
Geralmente o pai abria a garrafa (uma) e servia em taças próprias.Ainda não existia o termo reciclar (nem tampouco a necessidade), mas não era raro encontrarmos um abajur cujo corpo era feito com uma garrafa de vinho.
Nome de uva para mim, só na feira: Itália, moscatel ou rosada e todas tinham caroço.
A Austrália não existia a não ser pelos cangurus. A África do Sul vivia a tristeza do apartheid, não participava nem de olimpíadas, quiçá sediar uma Copa do Mundo? A Califórnia plantava laranjas, criava surfistas e era o sonho dourado dos amantes de cinema. O Rio Grande do Sul tinha apenas gaúchos de bombachas que bebiam chimarrão. A Argentina um adversário no futebol. Chile, um país que abrigava nossa esquerda perseguida política. O mundo do vinho cabia como se pode ver em um parágrafo, no máximo dois.
Não faço o estilo saudosista-reclamão, mas não posso deixar de observar que antes era bem menos complicado. Chegava no restaurante e pedia um vinho o garçon trazia e servia. Na delicatessem (não existiam delicatessens), na loja importadora de bebidas, o indivíduo entrava, escolhia uma garrafa pagava e ia embora. Se o dono fosse um apreciador de vinhos, trocava dois dedinhos de prosa, oferecia um queijinho para degustação e era tudo.
Mesmo com tão poucas opções naqueles tempos de proibições, meu pai, amante de vinhos, tentava nos ensinar como apreciar um bom vinho. À mesa nos falava de bouquet, corpo, lia o rótulo de fio a pavio, nos ensinava o que queria dizer cada coisa escrita. Eu não me interessava pela história do vinho, mas gostava quando papai nos dava uma fatia de um bom queijo e nos fazia tomar um gole de vinho.
A indústria do vinho, no Brasil, tornou-se um negócio bastante lucrativo. Os novos apreciadores estão sedentos de produtos. Querem comprar a todo custo a tradição européia. Quase como se bebessem todo o vinho degustado no velho mundo desde o início dos tempos. Livros, cursos, termômetros, taças, viagens eno-gastronômicas, confrarias, não são suficientes para saciar a sede destes antigos bebedores de pinga.
Dia desses quis comprar uma garrafa de vinho para um amigo. Fui a um supermercado e encontrei pouco mais de duzentos títulos, digo: rótulos diferentes, de diferentes uvas, nacionalidade preços, terroir* (seja lá o que isso signifique). Fiquei perdida diante de tantas possibilidades.
Foi quando veio em meu socorro um rapaz, simpático Uma espécie de consultor para assuntos de Baco. O jovem parecia entender muito do assunto, me fez um montão de perguntas, confesso que algumas até indiscretas sobre meu amigo. De como ele iria degustar o vinho, o que ele comeria para acompanhar, em que ocasião, com quem.
E, finalmente quando achei que já tinha dado o perfil psicológico do presenteado, bem como seu passado, seus traumas, suas aflições, a primeira papinha, se tinha sido amamentado ou não, sua árvore genealógica... Eu sei, estou exagerando e me perdi, mas é um mal necessário para deixar impressa aqui a minha irritação. Ia dizendo: quando achei que já tinha dito tudo e o rapaz simpático (vá lá ele não era tão simpático assim, um pouquinho arrogante talvez, enxerido mesmo, alcoviteiro.) finalmente ia me vender um vinho, ele me ofereceu uma boa relação custo benefício!
Espero que meu amigo aprecie a equação, digo o vinho.
*"Terroir (terroar) é uma palavra francesa sem tradução em nenhum outro idioma..
Significa a relação mais íntima entre o solo e o micro-clima particular,
que concebe o nascimento de um tipo de uva, que expressa livremente
sua qualidade, tipicidade e identidade em um grande vinho,
Paçoca
ResponderExcluirAchei excelente. Uma aula para quem chega ao mundo dos vinhos. Para os já chegados, um álbum de recordações. A descrição que você faz das regiões produtoras – e não produtoras - de vinhos, quando o vinho ainda era uma curiosidade no Brasil, está impecável e divertida. A abordagem da questão custo benefício também é interessante pois alerta os “novos apreciadores” , e “antigos bebedores de pinga” de que nem sempre você obtém aquilo que esperava pelo preço pago. E também que, às vezes, você paga por um mito, e o mito pode justificar o preço pago, dependendo da companhia com quem você o bebe.
O estilo leve e fluente da sua crônica torna a leitura agradável, bem alinhado ao que recomenda o nosso professor Pena. Parabéns.
Luigi
Paçoquita, muito legal. Concordo com o Luigi, o ritmo do texto está ótimo, super fluente, as idéias estão bem encadeadas, gostei pra caramba.
ResponderExcluirQuanto ao conteúdo, me identifiquei horrores, sou uma apreciadora totalmente ignorante de vinhos, escolher vinho em prateleira d esupermercado é sempre uma aventura e acabo me baseando no custo(nem dá para dizer relação custo benefício)!
beijo
Monica