Foi por trás das cortinas, dentro do quarto da Rainha, que Hamlet atravessou Polônio com um punhal, pensando tratar-se do Rei Claudio, assassino do seu pai.
Não gosto de falar de mortes, ainda mais quando são assassinadas. Tive que fazê-lo aqui, por força do dever, e foi apenas uma citação. Não voltarei a abordar temas dessa natureza pois isso seria a minha morte.
Não gosto de falar de mortes, ainda mais quando são assassinadas. Tive que fazê-lo aqui, por força do dever, e foi apenas uma citação. Não voltarei a abordar temas dessa natureza pois isso seria a minha morte.
Foi por trás das cortinas do salão nobre do Palácio do Governo do Estado de Sergipe que ouvi o Governador Seixas Dória, convocado pelos militares em 1964, defender-se da acusação de comunista e subversivo. Impotente, ele se justificava com frases ingênuas, tentando demonstrar que não tinha nenhum envolvimento com a subversão e que sua única preocupação era fazer um governo digno e honesto.
Eu estava sentado por trás das cortinas aguardando uma entrevista com o Governador , a qual havia sido postergada justamente por aquela reunião imposta pelos militares. Testemunha involuntária dos acontecimentos, eu me sentia constrangido. Como podia um governador, eleito livremente pelo voto do seu povo, ser humilhado daquela maneira?
Encerrada a reunião, as cortinas foram abertas e, oh! ironia, foi servido um cock-tail. No momento em que me apresentavam ao Governador, um soldado garçom se aproxima e oferece um drink. Lembro-me até hoje das palavras do Governador, abatido mas sorridente:
-- O senhor aceita um cálice? Pode tomá-lo tranqüilo, não é o cálice da amargura.
No dia seguinte o Governador Seixas Dória era conduzido, algemado, para o presídio de Fernando de Noronha.
Foi por trás das cortinas do Teatro Santa Isabel que vivi uma das maiores emoções da minha vida. Era a minha primeira experiência como ator e estreava a peça “O Diário de Anne Frank”. O ensaio geral havia transcorrido de maneira perfeita. Diálogos, marcações, figurinos, entradas e saídas, contra-regra, luz, som, tudo havia funcionado à perfeição. Noite de estréia, eu andava eufórico de um lado para outro do palco, conferindo falas com os colegas, melhorando inflexões, ajustando figurinos, deixando palavras de incentivo para os mais temerosos. Espiei através da cortina fechada e me deparei com o espetáculo deslumbrante do teatro vazio, feericamente iluminado. Um ligeiro calafrio me percorreu a espinha. Nada mais natural, pensei. Uma estréia é uma estréia e eu sabia que até o Sergio Cardoso, quando interpretava Hamlet, ficava nervoso. Continuei no meu vai vem quando percebi um certo rumor que, aos poucos, ia se avolumando. Não dei importância e continuei na minha euforia. O rumor continuou subindo de tom e agora parecia um murmúrio que ia crescendo, parecia vir do céu, o volume cada vez mais alto, difuso, indecifrável. Suspeitei que viesse da platéia. Resolvi espiar por uma fresta da cortina. O murmúrio tornou-se ensurdecedor, o teatro completamente lotado de gente elegantemente vestida conversando em voz baixa que, para mim, naquele momento, parecia um trovão. Fiquei paralisado. As três pancadas de Molière, repercutindo no chão de madeira, tiraram-me do torpor. Ocupei minha posição no palco . As cortinas se abriram.
Por trás das cortinas de uma sala de visitas um pai descobre a frivolidade do filho, já adulto, e resolve dar-lhe um conselho. No terceiro ano do curso primário do Grupo Escolar João Vieira de Almeida, na Vila Maria, onde eu só cheguei aos nove anos, tínhamos um “livro de leitura”. Esse livro trazia pequenas histórias, lições de civilidade, feitos históricos e, cá e lá, algumas poesias. Esse livro sumiu, evidentemente, tão logo terminei o curso primário, mas dele gravei um soneto, que guardo na memória até hoje. O autor do soneto também se perdeu com o livro.
Vou transcrevê-lo, tal como o lembro:
TERTULIANO
Tertuliano, frívolo peralta,
Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;
Lá um dia deixou de andar à malta,
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, em frente a um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:
- Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?
Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvia tudo,
Serenamente respondeu: Juízo.
Depois destas evocações eu não podia deixar de investigar alguma coisa sobre este soneto. Descobri que a memória me traiu em vários pontos:
1. O autor, cujo nome não lembrava, é Artur Azevedo
2. O nome do soneto, que eu julgava ser “Tertuliano”, é “Velha anedota”
3. Em lugar de “em frente a um espelho” é: “diante de um espelho”
4. Em lugar de “ouvia tudo” é “ouvira tudo”
5. Em lugar de “Serenamente respondeu” é “Severamente respondeu”
1. O autor, cujo nome não lembrava, é Artur Azevedo
2. O nome do soneto, que eu julgava ser “Tertuliano”, é “Velha anedota”
3. Em lugar de “em frente a um espelho” é: “diante de um espelho”
4. Em lugar de “ouvia tudo” é “ouvira tudo”
5. Em lugar de “Serenamente respondeu” é “Severamente respondeu”
Assim é, colegas, se lhes parece. Como dizem os paulistas:
“O Mundo gira e a Lusitana roda”
Severino Mandacaru
Severino, quanto mais leio mais gosto. Ouso dizer que o texto está ficando bem enxuto. Só com o necessário. Gosto das suas memórias!Bjs Paçoca
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