Apesar de ser ainda final de verão, fazia um tempo de outono, folhas caídas no chão e uma insistente chuva fina. Há muito que não ia a missa. Este domingo largou a preguiça de lado e rumou para a Igreja.
O caminho àquela hora estava um tanto deserto e não lembrava em nada os recém agitados dias de carnaval, que ocupam as ruas com alegria histérica. Uma senhorinha passeava com o cachorro, fiel companheiro dos tristes anos de viuvez. Um morador de rua dormia agarrado aos pertences. Apenas um casal passava com o jornal e pães para o café de domingo.
Havia poucas pessoas espalhadas pelos bancos da Igreja. Cadê os fiéis? Pensou. Tinha se enganado outra vez. A missa que ela cismava em ir às nove, começava na verdade às nove e meia. Não se importou, precisa mesmo de um tempo para “entrar no clima”.
Repara nas pessoas que ajudam na celebração. No músico que afina o violão e a voz das sopranos que dali a pouco se orgulhariam da plateia e da cantoria. As crianças se organizando para levar o ofertório. As beatas colocando os engomados panos litúrgicos, tudo como manda a tradição.
A Igreja de Santa Cecília, apesar de “modernoza” na arquitetura, de espaços amplos e frios, a ela parece acolhedora. Mesmo distraída que é, reparou no telão: Mais uma das modernidades da paróquia. Achou interessante. Não faz o tipo que reclama de novidades. Já repararam como tem gente que tem mania de reclamar do novo só porque é novo! Tem marido que reclama do vestido novo, do penteado novo, do brinco novo, do prato novo, mesmo que tudo isto tenha sido feito só para agradá-lo. Tem também um tipo de idoso que reclama de tudo novo. Do tempo, da música, da nova gripe (disto eu também reclamo), do remédio novo, do médico novo. Falou novo, pronto já vem logo com má vontade.
O telão novo estava ligado a um computador e as imagens vinham acompanhadas de um texto sobre a Quaresma que falava de jejum com abstinência. Foi quando notou aqueles dois pedacinhos de carne gorda e roliça que mais pareciam dois pãezinhos franceses, prontos para irem ao forno.
Antes de continuar, preciso fazer um parênteses: Eu tinha me prometido não falar mais em pés, mas estes foram parar bem na minha frente. Parece até provocação!
Como ia dizendo os pés pareciam um par de pães prestes a irem corar no forno. Calçavam uma sandália. Não! Um chinelo daqueles que não saem dos pés dos cariocas chova ou faça sol.
Não queria quebrar a promessa de parar de falar sobre pés sem um motivo forte. Sim, mesmo eu, que não me importo com novidades fiquei chocada com aqueles pés branquinhos e imaculados, delicadamente pousados em um chinelo. Achei mesmo uma indecência. Como? Deixar os pés a mostra? Rezar missa com os pés desnudos? Confesso que envelheci algumas décadas por não conseguir aceitar esta modernidade.
Resolveu olhar melhor, não estava num lugar em que pudesse julgar assim sem refletir um pouco. Claro, talvez ele estivesse com algum machucado, uma unha encravada quem sabe? Mas, não! Pés brancos, imaculados, sem calos e com um fino pó branco. Talvez um talco (ainda se usa talco?).
O Padre estava com a alva, a estola roxa e os pés à mostra! E, eu que ia falar sobre igreja retrógrada, a necessidade do uso de preservativos, o fim do celibato clerical, padres cantores e tudo o mais. Falar para quem? Quem sou eu para me meter neste assunto tão complexo.
Ado ado ado, cada um no seu quadrado. Mas se for padre, por favor, de preferência devidamente calçado!
Miranda
Miranda, adorei o texto, ri um bocado. Mas fiquei confusa, há uma mistura, quem é o narrador? Num momento pareceu ser uma terceira pessoa, já em outro momento era você contando a história, e no final voltou para a terceira pessoa. Me perdi um pouco com isso. Pode ser um artificio, não sei. Fiquei confusa. Talvez o seu ponto de vista, sua interferência fosse melhor entendida se colocada no final do texto, o que você acha?
ResponderExcluirbeijocas.
Eu, Roseana!
Roseana,
ResponderExcluirmuito obrigada pela sua perspicaz observação, na verdade eu tinha errado sem querer. Mas quando fui ajeitando o texto achei interessante. Eu queria mostrar que o autor(narrador) não conseguiu ir adiante com o texto quando "se deparou"com os pés do Padre. Vou tentar mudar para deixar mais clara a intenção. Beijocas Miranda
Posso fazer um comentário? Acho que há uma mistura de tempos verbais, parte está no passado e outra no presente. Também não sei se 'foi intencional, mas ficou confuso!
ResponderExcluirAgora, padre de sandália com pezinhos gordinhos foi o máximo!
beijo
Monica
Amanhã (ou melhor, hoje...), vou reler pra ver se perdi alguma coisa, mas embarquei direitinho na viagem do texto.
ResponderExcluirGostei muito dos pezinhos! A suposta "confusão" conseguiu traduzir a perplexidade diante dos "pés desnudos".
Isso me lembrou o cego mascando chicletes naquele conto de Clarice Lispector...
Os pés quebram expectativas, e gosto muito disso!
Você não resiste: passa para a primeira pessoa para se justificar por estar falando sobre pés. É quando começa a "pisar em ovos". Acho que essa parte de se desculpar pela tara podia ser omitida sem estragar a gostosa crônica. Afinal, você pode escrever centenas de crônicas com o pé como personagem e não explicar nada, deixar que o leitor conclua sobre sua fixação ou não. E esta não era nem pornográfica, pois esses pés "branquinhos e imaculados", de "carne gorda e roliça" são indecentes porém broxantes!
ResponderExcluirAngela,
ResponderExcluirobrigada pela dica vou reescrever e depois te mostro. Bjs Márcia
Querida Miranda
ResponderExcluirNão sei o que dizer sobre a sua crônica, mas quero felicitá-la pelo seu lindo texto e pela descoberta que certamente a desiludiu. Você foi à Igreja em busca de Deus e, acredito eu, um pouco de consolo para os seus dissabores. Acabou encontrando um telão e um par de pézinhos obcenos. Assim é a Igreja onde você foi. Assim são todas as igrejas de todas as religiões. Para mim Deus, ou o "Poder Supremo" como o chamou Einstein momentos antes de morrer, está no trabalho, no amor, qualquer que seja ele, até mesmo no pecaminoso, no respeito à natureza, na solidariedade com os seus amigos e com o seu vizinho. Se o que eu disse serve para alguma coisa, medite. Se não servir, descarte. Um abraço afetuoso e fraterno do
Severino