Pretendia escrever sobre o dia Internacional da Mulher, emancipação, liberdade e essas coisas que nos últimos tempos gritamos por aí a fora. Mas, passei tanta roupa que até desanimei!
Resolvi então falar sobre minha bisavó: Dona Regina. Não tinha mais que um metro e meio de altura. Era um tipo mignon, como se costuma dizer. Criou cinco filhos, era órfã de mãe e tinha uma madrasta, que nos dias de hoje só se encontraria nos livros infantis de contos de fadas.
Não convivi muito com a “Bisa”. E, a última vez que a vi, foi no meu casamento. Usava um vestido de crepe verde água, bem da cor dos seus olhos. Parecia ainda mais frágil, mas trazia no olhar um brilho de felicidade e orgulho por estar casando uma bisneta.
Nunca a vi reclamando da vida, da sorte, de cansaço. Não fazia coleção de sapatos, nem tampouco de bolsas, não vivia no salão de cabeleireiros retocando sobrancelhas, unhas, buço, pintando cabelos. Usava pó de arroz, lavava o cabelo com sabão de coco, fazia as próprias roupas e a comida.
Se, sabia que os bisnetos iam visitá-la colocava o amendoim para torrar, tirava-lhes a casca, levantando a peneira de taquara e soprando-os no ar. Socava num pilão até virar paçoca. E depois guardava numa latinha usada de ovomaltine. Foi proibida pelos médicos de fazer este esforço, mas não me lembro de faltar paçoca, feita por ela, em minhas visitas.
Quando vinha a Copacabana, na casa de uma de suas filhas, não ia embora sem nos fritar deliciosos pastéis da massa que ela mesma fazia. Lembro também, salivando, do biscoitinho de nata. Ia juntando pacientemente a nata que se formava no leite até ter quantidade suficiente.
Apesar de nunca ter trabalhado fora, a Bisa, no fim da vida, já viúva, se sustentava fazendo crochê. Nunca entendi como, daquele tamanhinho era capaz de fazer colchas de crochê enormes, ponto por ponto, numa perfeição inacreditável.
Guardo com muito carinho a imagem daquela mulher de aparência frágil, corajosa e trabalhadora.
Hoje é o dia Internacional da mulher seja ela qual for: Trabalhadora ou não. Parabéns e flores para todas nós.
Miranda
Linda crônica, comovente e admiravel pela simplicidade com que revela o carinho que envolve a figura humana de um dos elos da família facilmente esquecidos. Uma forma perfeita de homenagear a mulher na sua data. Agora, depois de ter lido as suas últimas crônicas, resta-me uma dúvida: Era mesmo a sua bisavó?
ResponderExcluirLuigi
Querido Luigi,
ResponderExcluirera mesmo a minha bisavó. Mas poderia ter sido a de qualquer um de nós. Avós e bisavós sempre me remetem a doçura. Obrigada pelo comentário. Miranda
Adorei também! Lendo, senti uma falta tremenda de mais coisas artesanais na minha vida.
ResponderExcluirHummm... eis a origem do outro pseudônimo!
ResponderExcluirTambém adoro paçoca, pastéis e todas aquelas coisinhas "de avó".
Linda crônica, Miranda! Não conheci meus bisavós, mas tenho muita saudade dos meus avós.
Querida Miranda,
ResponderExcluirGostaria de ter escrito esta crônica. Cá estou eu de novo, a me roer de inveja de você.
Hoje passei o dia buscando inspiração e poesia em " dupla e tripla jornada de trabalho", em "mulheres poderosas que metem medo nos homens", em " mulheres que estão dominando o Mercado de trabalho", " mulheres independentes" , "TPMs ", " Falta homem no Mercado" etc e tal. Podem me crucificar, mas não aguento mais esta ladainha, essa egolatria feminina.
Estou sentindo falta desta mulher paciente, amiga, companheira. Mãe, avó, esposa. Com opinião própria e garra,mas altruísta e doce.
Afinal, se existe um dia internacional dedicado às mulheres,seria interessante que o paradoxo força e fragilidade da maternidade fosse ao menos lembrado.
Parabéns pelo texto, gostei muito do jeito "diferente" como você homenageou as mulheres.
Beijos do contra,
Marcinha, pelo visto vou ser a última a dizer que me comovi com o seu texto, pelo menos hoje, no dia internacional da mulher.
ResponderExcluirFeminista que sou, entendo a importância de se marcar com um dia comemorativo a importância de buscarmos a tão falada igualdade de gêneros. Como mulher, me pergunto em que ponto estamos nesta "luta": ganhamos o direito ao trabalho, o direito de votar e de sermos votadas, a liberdade de brigarmos por empregos e posições no trabalho antes impensáveis. Eu mesmo disputo espaços com homens (e com outras mulheres) fazendo questão de me lembrar sempre que somos todos iguais, ou melhor, que nossa capacidade independe de nossa genitália e de nossos cromossomos. Mas onde e quando vivemos ganhamos também a obrigação de nos mantermos sempre belas (leia-se magras e musculosas), de espanar a qualquer preço todas as marcas que o tempo deixa em nossos corpos, cabelos e unhas em dia. Ganhamos o direito de "disputa", mas continuamos a nos comportar como objeto do desejo alheio, geralmente masculino. Tenho então a impressão de que brigamos com o mundo para sermos super-mulheres, versão século XXI da mulher maravilha, sem nos darmos conta de quanto ainda estamos distantes de sermos realmente livres e, na maior parte das vezes, somos coniventes com isso. Me deprime ouvir uma mulher jovem dizer que já está na hora de procurar um bom dermatologista. Não reivindico uma volta ao tanque, mas quero ter o direito de ser simplesmente uma pessoa, e não um objeto de desejo. Acho que no dia que conseguirmos isto, nos olharmos independentemente de nosso gênero, teremos chegado ao lugar que desejo para mim e para todas nós. Não sei se estarei por aqui para comemorar, mas espero que chegue o momento.
Quanto ao texto: não conheci minhas bisas, mas convivi intensamente com duas avós, mulheres super fortes que me ensinaram o sentido da famosa frase atribuída ao Che: Tem que ser forte sem perder a doçura (não sei se é exatamente assim, mas é isso). Tento segui-las.
Beijo
Monica
Teu texto me deu saudades da bisavó, da avó, das tias, e da família toda que nunca tive...
ResponderExcluirMônica
ResponderExcluirQuero dar-lhe os parabéns pela linda crônica que é este seu comentário. Aproveito para dizer a você - e às demais colegas - que existe um livro que nos ajuda a refletir sobre o tema que você brilhantemente tratou no seu texto:
"A Reengenharia do Tempo" de Rosinska - creio que o sobrenome é Ribeiro, mas não estou seguro.
Vou tentar encontrá-lo para vocês.
Luigi
Desculpem o que , que, que, acima.(antes que a Paçoca me malhe)
Saudades da família, saudades dessas mulheres, saudades de uma vida menos competitiva e um tempo mais bem gasto com a vida e suas delícias.
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
Luigi, não conheço o livro mas imagino que seja super interessante. Esse assunto me mobiliza muito. Nos espaços em que convivo existe mais liberdade, acho que quem trabalha com saúde pública vê tantas coisas injustas que acaba não dando tanta importância a perfumarias. Ou então é o contrário, quem ecolhe saúde pública é porque já não liga mesmo para isso. Mas quando encontro colegas médicas, é quase impossível que em algum momento a mulherada não fale de plasticas, lipos, ácidos na cara, etc. Eu fico olhando...enfim!
ResponderExcluirbeijo e valeu pelo elogio
Monica
O nome da autora é Rosiska Darcy de Oliveira e ela tem um blog que se chama: Http://riocoomovamos.org.br. Tem vários livros publicados sobre a questão da mulher. Bjs da Miranda que adorou a sugestão de Severino Mandacaru.
ResponderExcluir