Café com leite bem açucarado, como tu gostas. O pão, molhado de manteiga, posto na torradeira para estar quentinho quando o comeres. Uma banana, pois pela manhã, as frutas vão muito bem para a saúde. Cuido de ti com carinho. Quando acordas,os primeiros olhos que vêem o teu olhar são os meus. Bem de perto, minha boca está pronta para o teu beijo matinal. Se quiseres me amar, é só estender os braços e me alcanças em ti, pois já me encontro a um passo do teu gozo.
Levantas e me esqueces em carências, tão sempre pleno desta tua dureza. Golpeias-me de indiferença. Sofro da certeza, de que nunca mais me amarás com paixão novamente. Sou, hoje, como uma laranjada, um notebook, uma gravata. Partes do seu cotidiano, escandalosamente pacato e previsível. Chegar em casa e não me encontrar é como abrir a geladeira e não ter água para beber.
- Cadê a água gelada? Reclamas, sem o pudor de abastecer o recipiente. Bebes a água do filtro.
- Cadê sua mãe ? Perguntas aos nossos filhos, sem ao menos querer saber se me escondo, em algum lugar, para fugir da tua monotonia.
No carrinho do supermercado, o arroz integral, a carne branca para ti e a vermelha para os meninos, o leite de soja para a minha menopausa que não demora chega, os legumes frescos que demonstram a vida saudável que levamos. E que vida ! Almoço, a tarde as tarefas de todos os dias, e os meus tristes ais pelo caminho.
Todas às noite chegas do trabalho, a porta se abre, me beijas olhando para o teto, as mãos ocupadas com os mesmos quatro enfadonhos pãezinhos, que comemos, acompanhados com suco de uva. Tomo banho depois da novela, e me apreço em deitar ,para que venha logo o outro capítulo da minha história, pois este já não posso mais suportar. Antes de dormir, te refrescas em mim. Sempre comedido, a aparar os meus quereres, as minhas vontades, sem esperar o meu tempo.
- Boa noite homem de bem. Durma o sono dos justos, dos perfeitos. A vida da tua mulher e dos teus filhos está assegurada, nada abalará esta tranqüilidade.
Amanhã me vestirei como sempre, com roupas que não demonstrem aos outros as minhas aflições femininas. Por fidelidade e gratidão, tenho que ser só tua, mas temo que percebam que, num descuido meu, podem arrebatar-me de ti. Nenhum decote, nada que cole a minha carne e porventura a estremeça, vestes largas, cabelos presos, para que não se assanhem ao vento, dando-me ares mundanos. Assim consigo que o acaso não me invada e me encontre privada de afetos.
Nossos planos de quando nos casamos, continuam de pé, firmes, como rochas taciturnas, a nos vigiar. Sairias para ganhar o dinheiro da rua , e alcançaríamos o mundo que imaginávamos conquistar. Eu, cuidaria da casa, dos nossos filhos, traria a alegria e o bem estar ao nosso lar, apoiando os seus projetos, os seus desígnios que pensava serem os meus.
Mas, algo saiu do controle . Fui pega desprevenida pelos meus sentidos. Passei a ter desejos de beijos apaixonados, de abraços de tirar o fôlego, de noites inteiras de amor ardente. Minha volúpia foi intempestiva. Este é o meu segredo, que pretendo sufocar para sempre.
Claudia Bontempo
Queridos amigos do blog,
ResponderExcluirA partir de agora postarei meus contos, com uma semana de atraso, da Oficina do Conto.
Beijos a todos.
Claudia
ResponderExcluirNão me canso de ler e reler este seu lindo conto. A cada leitura descubro novos encantos, desvendo melhor a alma da mulher e aprendo mais sobre o comportamento do homem empedernido, frio, granítico. Suas frases poéticas envolvem o leitor e o contaminam de ternura e paixão. O seu texto deveria ser leitura obrigatória para os homens em um exame pré-nupcial. Estou certo de que psicólogos e professores de literatura encontrarão nele elementos uteis para ilustrar suas aulas. Parabéns
Luigi
Cláudia, você sabe o quanto gostei do conto também. Faço do seu querido Luigi as minhas palavras. Mas é que a paçoca não sabe o que é granítico e imagina que deve ser algo bem ruim.Bjs curiosos.
ResponderExcluirNossa! Que conto forte! Bem árido. Sofrido! Da um desespero de saber que isso é comum... Essa apatia fruto do cotidiano... A renovação é tão difícil!
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