- Como? Evadiste-te ?
- Evadir-me eu? Não sou parvo!
- Os assassinos deveriam levar alguma coisa que os identificassem...
uma papoila à botoeira!
Este é o diálogo que inicia uma cena em uma peça teatral de Sartre, na sua edição portuguesa, quero dizer, de Portugal. Não me perguntem qual é a peça. Se descobrirem , me avisem.
Agora gostaria de citar um trecho da correspondência trocada entre Fidelino de Figueiredo*, o grande filólogo português e Sigismundo Spina, seu discípulo. Numa carta** ao Prof. Fidelino, que se encontrava em Lisboa e a quem chamava carinhosamente de “pai”, Spina relata um concerto ao qual assistiu no Teatro Municipal de São Paulo:
“O Prelúdio em Si Menor, de Bach, conquanto Stokowski metesse nele as garras, foi primorosamente executado.” ... ... “o pai se lembra, deve estar isso em “Lisboa de Ontem” - se não me engano - daquela nota de Garret- por ocasião da representação de “A Sobrinha do Marquês” ? Deviam ser os Castristas que, a certa altura, assuando a peça, ouviram a exclamação de Garret do alto do seu camarote:
“Pateiem, bárbaros!”
“Pois bem: foi o que me evocou o público que estava presente ao concerto:
“quanta patada!”
E mais, se quiserem se divertir: bolseiro, carota, canastro, extenderete, casal saloio. Mas tomem cuidado com os falsos cognatos.
*Fidelino de Fgueirdo , grande filólogo e professor de literatura, português, foi contratado em 1938 pela Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo para modernizar os estudos superiores de literatura.
** “Cartas de Fidelino de Figueiredo e de Sigismundo Spina” - Ateliê Editorial: Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes, 2009 – pg.58
Estamos no Rio de Janeiro. Vejam o que diz o Marques, português recém chegado, à Ivete. Marques era um técnico que foi trazido de Portugal quando eu trabalhava na Fábrica Bangu dos bons tempos. Enquanto a fábrica lhe arranjava a um lugar para morar ele ficou hospedado na minha casa. Eu, ainda solteiro, havia contratado a Ivete, uma esbelta e bonita porta estandarte, para cuidar da casa.
Ivete limpava e arrumava tudo, preparava o almoço e o jantar, mas não dormia no emprego. E o Marques, com sua voz de barítono:
- Oh, Ivete! Não deitaste cebolas na salada, pois não?
- Oh, Ivete, que fizeste das minhas piugas? Não as percebi, esta manhã.
- Que raios preparaste para o jantar, oh! Ivete? É isto um sarrabulho, dizes tu? Parece mais uma champana!
Ivete o olha espantada, cai na gargalhada, e dá de ombros.
Eu tomava cerveja regularmente, na hora do jantar. Sempre a oferecia ao Marques e ele sempre a recusava. Um dia perguntei-lhe:
- Marques, por que você não toma cerveja?
- Porque não gosto, pois. - a sua lógica lusitana deixou-me encabulado.
- Mas por que você não gosta? - insisti.
- Não me sabe bem. - eu já me sentia derrotado. Tentei um último golpe:
- E por que não te sabe bem?
- Porque é muito amarga.
- Ah! Gritei eu triunfante. Se é por isso resolve-se facilmente.
- Oh! Ivete, corre lá embaixo e traz uma Malzbier para o Senhor Marques.
Sirvo a cerveja doce. Marques a experimenta e eu esqueço o assunto. Ele termina o jantar, retira-se e eu permaneço sentado digerindo os meus pensamentos.
Ivete chega para tirar a mesa. Vê o copo de Marques ainda cheio e pergunta:
- Ué, o Marques não gostou da cerveja?
- Não Ivete, pode retira-la.
E Ivete, colocando as mãos na cintura e balançando aqueles quadris que Deus lhe deu:
- Eu, hein, é a primeira vez que eu vejo um português enjeitar preta!
Essa é a nossa língua, é a língua de todos, é a língua de cada um. Ou não é?
Mas vamos ver como falam os Severino de Pernambuco e os Raimundo Nonato do Piauí. São apenas frases soltas, não quis construir um diálogo.
“Se avexe, menino. Fica aí encangando grilo o tempo todo, vai chegar atrasado outra vez.”
“Ele é rico que só! Dá de um tudo pra mulher dele e ainda sobra pra rapariga.”
“Arrodeia o oitão que você vai encontrar a bica que está com o pitoco quebrado”
“Fique aqui com estas flores, que eu vou ter que sair. Quando os noivos passarem, você avôa em cima deles.”
“Tenha vergonha, seu safado! Mulher de homem não se amulega!
“Você vem me falar de moral? Você, que passa a noite chumbregando com piniqueiras?
Não quero encerrar estes rabiscos sem, antes, dar mais um exemplo da linguagem do Nordeste. Se me perguntassem o que eu considero o poema mais bonito da literatura brasileira eu daria esta simples estrofe:
- Evadir-me eu? Não sou parvo!
- Os assassinos deveriam levar alguma coisa que os identificassem...
uma papoila à botoeira!
Este é o diálogo que inicia uma cena em uma peça teatral de Sartre, na sua edição portuguesa, quero dizer, de Portugal. Não me perguntem qual é a peça. Se descobrirem , me avisem.
Agora gostaria de citar um trecho da correspondência trocada entre Fidelino de Figueiredo*, o grande filólogo português e Sigismundo Spina, seu discípulo. Numa carta** ao Prof. Fidelino, que se encontrava em Lisboa e a quem chamava carinhosamente de “pai”, Spina relata um concerto ao qual assistiu no Teatro Municipal de São Paulo:
“O Prelúdio em Si Menor, de Bach, conquanto Stokowski metesse nele as garras, foi primorosamente executado.” ... ... “o pai se lembra, deve estar isso em “Lisboa de Ontem” - se não me engano - daquela nota de Garret- por ocasião da representação de “A Sobrinha do Marquês” ? Deviam ser os Castristas que, a certa altura, assuando a peça, ouviram a exclamação de Garret do alto do seu camarote:
“Pateiem, bárbaros!”
“Pois bem: foi o que me evocou o público que estava presente ao concerto:
“quanta patada!”
E mais, se quiserem se divertir: bolseiro, carota, canastro, extenderete, casal saloio. Mas tomem cuidado com os falsos cognatos.
*Fidelino de Fgueirdo , grande filólogo e professor de literatura, português, foi contratado em 1938 pela Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo para modernizar os estudos superiores de literatura.
** “Cartas de Fidelino de Figueiredo e de Sigismundo Spina” - Ateliê Editorial: Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes, 2009 – pg.58
Estamos no Rio de Janeiro. Vejam o que diz o Marques, português recém chegado, à Ivete. Marques era um técnico que foi trazido de Portugal quando eu trabalhava na Fábrica Bangu dos bons tempos. Enquanto a fábrica lhe arranjava a um lugar para morar ele ficou hospedado na minha casa. Eu, ainda solteiro, havia contratado a Ivete, uma esbelta e bonita porta estandarte, para cuidar da casa.
Ivete limpava e arrumava tudo, preparava o almoço e o jantar, mas não dormia no emprego. E o Marques, com sua voz de barítono:
- Oh, Ivete! Não deitaste cebolas na salada, pois não?
- Oh, Ivete, que fizeste das minhas piugas? Não as percebi, esta manhã.
- Que raios preparaste para o jantar, oh! Ivete? É isto um sarrabulho, dizes tu? Parece mais uma champana!
Ivete o olha espantada, cai na gargalhada, e dá de ombros.
Eu tomava cerveja regularmente, na hora do jantar. Sempre a oferecia ao Marques e ele sempre a recusava. Um dia perguntei-lhe:
- Marques, por que você não toma cerveja?
- Porque não gosto, pois. - a sua lógica lusitana deixou-me encabulado.
- Mas por que você não gosta? - insisti.
- Não me sabe bem. - eu já me sentia derrotado. Tentei um último golpe:
- E por que não te sabe bem?
- Porque é muito amarga.
- Ah! Gritei eu triunfante. Se é por isso resolve-se facilmente.
- Oh! Ivete, corre lá embaixo e traz uma Malzbier para o Senhor Marques.
Sirvo a cerveja doce. Marques a experimenta e eu esqueço o assunto. Ele termina o jantar, retira-se e eu permaneço sentado digerindo os meus pensamentos.
Ivete chega para tirar a mesa. Vê o copo de Marques ainda cheio e pergunta:
- Ué, o Marques não gostou da cerveja?
- Não Ivete, pode retira-la.
E Ivete, colocando as mãos na cintura e balançando aqueles quadris que Deus lhe deu:
- Eu, hein, é a primeira vez que eu vejo um português enjeitar preta!
Essa é a nossa língua, é a língua de todos, é a língua de cada um. Ou não é?
Mas vamos ver como falam os Severino de Pernambuco e os Raimundo Nonato do Piauí. São apenas frases soltas, não quis construir um diálogo.
“Se avexe, menino. Fica aí encangando grilo o tempo todo, vai chegar atrasado outra vez.”
“Ele é rico que só! Dá de um tudo pra mulher dele e ainda sobra pra rapariga.”
“Arrodeia o oitão que você vai encontrar a bica que está com o pitoco quebrado”
“Fique aqui com estas flores, que eu vou ter que sair. Quando os noivos passarem, você avôa em cima deles.”
“Tenha vergonha, seu safado! Mulher de homem não se amulega!
“Você vem me falar de moral? Você, que passa a noite chumbregando com piniqueiras?
Não quero encerrar estes rabiscos sem, antes, dar mais um exemplo da linguagem do Nordeste. Se me perguntassem o que eu considero o poema mais bonito da literatura brasileira eu daria esta simples estrofe:
“Se eu soubesse que eu chorando
Empato a tua viagem
Meus olhos eram dois rios
Que não te davam passagem”
Pois é, nem a praga da televisão que, como disse Marx, é o ópio do povo, conseguiu aproximar as duas línguas. E eu aqui, queimando a mufla, pra descobrir se auto estima é junto ou separado, se tem hífen ou não, que hífen, além de um n estranho tem acento, se ambígua perdeu o trema ou se não tinha, se ...
Ora, francamente!
Caro Luigi, esta aí uma crônica gostosa, sobretudo pela fala do Marques. Adorei conhecer este monte de expressões de nossa língua que para mim são um mistério. Como você deve lembra-se nasci em Brasília e como foi pouco depois do descobrimento, digo da fundação,havia gente de todas as nacionalidades e naturalidades, mas não havia brasilienses! Então lá se falava qualquer dialeto e ao mesmo tempo nenhum! Lembro-me de usar a palavra arrodiar quando queria dizer: dar a volta!
ResponderExcluirGosto quando a crônica me remete a algum fato da minha vida.
A propósito, gostaria de saber de quem é aquele verso que você acha o mais bonito.
E por fim: Eu sempre disse queimar a mufa, mas imagino que o certo seja queimar a mufla! De qualquer forma não encontrei no dicionário. Ass: Paçoca (de amendoim, que é mais doce e não de carne seca como no nordeste!!!)
Se fosse possível aqui, postaria um "emoticon" de bonequinho rindo. Também gostei muito da crônica, Luigi! E agora entendi sua curiosidade quanto à outra fábrica.
ResponderExcluirMeu querido Luigi,
ResponderExcluirQue beleza ! Mais uma vez tiro meu chapéu para o meu Mestre.
Tenho uma afetividade muito grande com os regionalismos, sofri uma influência muito grande de minha mãe e de sua família que é do Pará.
Lá em casa era um tal de " arreda pra lá", "eras...", " maninha" e a primeira vez, já adulta, que fui à Belém, me senti em casa.
Ouso dizer que a fala do indivíduo é capaz, até mesmo, de influenciar a sua personalidade...
Mas isso a gente conversa depois, enquanto vocês tomam vinho e eu guaraná.
Um cheiro,
Valeu Luigi! É desse português que gosto de falar. Assim vale a pena!
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