segunda-feira, 1 de março de 2010

Parabéns, Rio de Janeiro




Em um janeiro que não me recordo, no início dos anos 80, eu era toda a beleza da juventude, que independia da estética vigente ou do último grito da moda. Eu era o topo da vida, ainda que me faltasse a sabedoria da maturidade, mas me sobrava a liberdade de que tudo eu poderia ser. Nada nunca me bastaria, tudo me seria insuficiente.

Eu era férias de verão, shows de MPB dos fins de tarde na praia do Arpoador, festas à noite com quase nenhum dinheiro, e a marca da alcinha do biquíni a reluzir, no meu ombro dourado de sol.

Era janeiro de um Rio que abria suas areias, como tapetes vermelhos, para que por elas eu desfilasse minhas alegrias, minhas imprudências e minhas paixões. Era um janeiro, que me permitia jovem, me saciava de calor e desejo, me embriagava de garrafas e garrafas de bebida forte, sem que me viesse a ressaca, do dia seguinte, cheia de culpa ou de compromissos que me dessem um pouco de arrependimento.
Eu era livre, e todos os dias acordava com a liberdade a chamar por mim.
Era um Rio de um janeiro lindo, cheio de sol, em que não usávamos protetor solar. Não controlávamos nem o açúcar e nem o colesterol do nosso sangue, e só reparávamos na pressão do seu fluxo, quando estávamos excitados de tanto amor.

Lamento não me lembrar do ano exato deste janeiro, em que numa noite de lua cheia, subimos a torre em ruínas do Parque Lage. Acompanhados do coaxar dos sapos, dos cantos das corujas e do zumbido de uma leve brisa que vinha das montanhas do Corcovado, fizemos a nossa serenata.
Um janeiro em que descemos as ladeiras de Santa Tereza, em muitos, pela madrugada, rindo e falantes, espiando o horizonte cor de rosa, ameaçando nos anunciar o dia.
Foi um janeiro que passou no Rio, mas ficou tão presente na minha memória.

Muitos verões de janeiro já se passaram desde então. A tal maturidade já se estabeleceu em mim. Com ela, a sabedoria, as descendências, a paciência, a tolerância. Nem senti quando chegaram, mas foram amigas fraternas comigo e me acolheram decentemente.
Ah !E eu continuo uma eterna apaixonada por esta Cidade.


Claudia Bontempo

5 comentários:

  1. Fantástico, Claudia. Uma canção de amor. Creio que somente quem viveu a cidade que você descreve consegue perceber a força e a beleza do seu texto. Você revive, com lindas palavras, a magia que cercava aquela atmosfera de mar, sol, montanha e corpos sadios, e mostra, através das “amigas fraternas que me acolheram”, um outro componente daquela magia: éramos jovens. Nem por isso você deixou que a magia se perdesse.
    E a cidade não perdeu você.
    Luigi

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  2. Amiga Fraterna do Bontempo,
    Vou discordar um pouquinho (mas só um pouquinho) do Mestre Severino. Para mim sua crônica é sim uma canção de amor, mas não acho que só quem viveu a cidade que você descreve consegue perceber a força e a beleza do seu texto. O texto é belo e forte Ponto. Beijos dourados de sol. Miranda

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  3. Embora fale com saudade de um tempo em que "tudo você poderia ser", "nada nunca lhe bastaria, tudo lhe seria insuficiente", uma calma sabedoria permeia o texto. Nem sinal de amargura ou angústia. Muito bom isso.

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  4. É, concordo com a Madú. Acho que todos que vivemos intensamente cada etapa da vida (e aí me incluo, por isso a primeira pessoa do plural)não temos razão para olhar o passado com amargura. E compartilho plenamenta a paixão pelo Rio. Outro dia, acho que noite de segunda-feira do carnaval de agora, parei em uma banca de jornal em frente à estação do metro de Botafogo para comprar cigarros. Era noite, estávamos eu, uma amiga de Nova Iguaçu e um amigo carioca de coração. Enquanto recebia o meu dinheiro e contava o troco, a pessoa que trabalha na banca entravou uma conversa conosco, nem lembro bem sobre o que, mas faria todo o sentido se pedíssemos mais um chope, mesmo sem termos bebido nenhum juntos. Alguns minutos de conversa depois, minha amiga iguaçuana virou-se para mim e disse: isso, só no Rio! Pois é. Quem sabe devessemos patentear a irreverência, o despojamento? Charme da marca de alcinha de biquini? Sandália Havaiana, canga, biquini e mais nada? Quero morrer por aqui...
    Noronha

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  5. É Claudia, o Rio continua um hino! A cada dia descobrimos algo maravilhoso. Hoje descobri o seu texto. Valeu!!!!!!!!!
    Adriano.

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