quarta-feira, 24 de março de 2010

O plebiscito, O recalcitrante e a Ignorante!!!


Tem dias que encasqueto com umas palavras. Outro dia assistindo a uma entrevista do simpático músico Lenine, ele disse que o pai dele tinha fleuma. Pronto! A princípio me bateu uma inveja. Será que meu pai tem fleuma? Será que não? Afinal o que é fleuma?

Faz um tempão que não ouço ou leio esta palavra: F L E U M A. Até graficamente é uma palavra esquisita. Vou poupar o distinto leitor, que como eu, não sabe o que é fleuma, de ir consultar no dicionário. Não é preciso ter vergonha, se você já sabe, pule o parágrafo seguinte e, se não sabe, vai saber e ninguém vai saber (que você não sabe).

Trata-se de um substantivo feminino e diz-se do caráter de uma pessoa calma, impassível; pachorra. Sinônimos: amenidade, brandura, doçura, mansidão, mansuetude, quietude, serenidade e suavidade.

Assim não ignoro mais o que venha a ser fleuma, mas continuo com inveja do músico. Meu pai tem um monte de qualidades e a fleuma não é uma delas.

Vem de longe essa minha mania de encasquetar com as palavras Lembro-me do papel cheirando a álcool, do texto, fresquinho, mimeografado, com carinho, pela professora primária. Textos curtos, em geral contos e crônicas que tinham a intenção de nos seduzir ao mundo da leitura. Dois textos que conheci nesta época, trago na memória até hoje. Justamente por conterem palavras encasquetantes.

Um deles é uma crônica do Drummond chamada “O recalcitrante” e conta a história em que numa viagem de ônibus um passageiro, se ofende quando é assim chamado. Ofende-se, sem nem ao menos saber o que é recalcitrar. E fique sabendo o leitor que ele vinha recalcitrando a viagem inteira.

O outro é um conto de Artur de Azevedo chamado "Plebiscito”. Um menino de doze anos pergunta ao pai o que é plebiscito. É na insistência do pai em fingir saber, que vem o retrato sutil e bem humorado de toda uma época, onde o Pai de família era o todo poderoso. Um "verdadeiro herói" que provia tudo e tinha que saber de tudo para não perder a moral.

Falei tanto em pai, pai do Lenine, meu pai, pai de família que lembrei do meu avô pai de minha mãe. Um tipo irlandês de pele e cabelos vermelhos, olhos azuis e temperamento irascível. Meu avô parecia o personagem do "plebiscito".

Logo que eu entrei para o ginásio, a professora pediu que entrevistássemos algumas pessoas e perguntássemos o que é ciência. Eu ia dormir na casa dos meus avós neste dia, e tomei o cuidado de fazer a entrevista com minha tia, que era professora e na opinião dos meus doze anos devia saber de tudo. Tinha um medo danado do meu avô e não perguntaria a ele por nada. Acontece que minha tia não sabia definir o que é ciência, mas não quis me dizer. Esperta disse:

- Pergunte ao seu avô! Eu não tive jeito.

-Vô o que é ciência?

O velho pigarreou, levou a mão à boca, deu uma tossidinha e não disse que não sabia! Com um ar irritado disse que levaria um tempo para dar uma resposta que eu pudesse entender! Com toda certeza meu avô também não era uma pessoa fleumática!

Miranda




4 comentários:

  1. Paçoca,
    Que culpa eu tenho de só ter elogios para lhe oferecer... Queria poder fazer umas críticazinhas meio sábias, meio reflexivas, mas sinto-me incapaz com um texto tão interessante.
    Pobre de mim.
    Amei a crônica do começo ao fim, você é muito "fera".
    Beijos cheio de inveja branca,

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  2. Que ótima crônica, Márcia! Do título ao fim, incluindo a foto. Sua marca pessoal (e essencial) é a simplicidade. Parabéns.

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  3. Querida Miranda
    Combinando memórias com leituras amenas você produziu uma crônica que tem um mérito todo especial: ajuda-nos a encarar de frente a ignorância. Além disso você mostra, nesse texto, que dispõe de uma das características imprescindíveis do bom escritor: a curiosidade. De leitura leve e agradável, a sua crônica foi um acalanto para o meu fim de tarde. Obrigado

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  4. Ha! Acho que essa é a melhor maneira de aprender palavras novas e curiosas... no meio de uma história! Tudo fica tão mais interessante!

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