terça-feira, 2 de março de 2010

Pausa para descanso


Decreto nº 5.658, de 02 de Janeiro de 2006
Promulga a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde em 21 de maio de 2003 e assinada pelo Brasil em 16 de junho de 2003.

Tenho obsessão por atrasos. Falando sério. Enquanto nossos vizinhos do andar de cima repetem “Time is Money!” até ficar roucos, eu não consigo chegar na hora certa nem para escovar os meus dentes. E lógico, obsessiva que sou, vivo com a sensação de estar sempre devendo alguma coisa. Provavelmente tempo, que eu roubei de alguém para dar a outra pessoa, ou a outra coisa, tanto faz, quem vive com sentimento de culpa sabe que dá tudo no mesmo, culpa é culpa.
Então. Vivo com sentimento de culpa por chegar atrasada. Às vezes tão atrasada que quase não chego. Ou mesmo não chego, acabo me perdendo em algum dos muitos bares da vida para esquecer o atraso. Ou não consigo decidir aonde ir e, na dúvida, fico pelo caminho para não deixar furo com alguém. Simplesmente desisto de tudo que não consigo escolher e mudo de rumo. Atrasada. Atrasada e culpada. Culpada por não fazer. Ou por não ter feito. Do que fiz e faço raramente me arrependo, acho que se tivesse nascido japa lá pelos anos 30 teria morrido entre os kamikazes nos anos 40. Claro que faço muita, digamos assim, bobagens, mas nunca me arrependi de viver. Já quase desisti, mas na hora H voltei atrás, olhei no espelho e me apaixonei pela idéia de recriar minha vida a partir do material de demolição.
Porque sou apaixonada, cronicamente. E voluvelmente, também. Já amei coisas tão esdrúxulas quanto aminoácidos e peptídeos, vocês os conhecem? Pois bem, por muitos anos (mais de dez) da minha vida os estudei obstinadamente. Não assim, ao acaso, mas com um fim certo: a conformação da alça V3 do HIV. É sério. Escrevi tese sobre o assunto. Não sobre a conformação, mas sobre a origem de uma variante com conformação possivelmente diferente. Não riam, é verdade. Claro que surtei, decidi ser (quase) normal e trabalhar em saúde pública. E isto porque sou médica. Se fosse bioquímica teria resolvido estudar o comportamento humano. Ou, se tivesse seguido minha verdadeira vocação e feito sociologia, hoje seria uma renomada escritora de romances policiais, do tipo que deixaria Agatha Christie (outra das minhas paixões) no chinelo. Vá entender a cabeça de uma pisciana!
E falando em paixão, andei tentando me desvencilhar da crença de que saúde é um bem público, mas não consegui. Como não consigo acreditar que eu não tenho nada com isso. Talvez porque, mais uma vez, esteja chegando atrasada, já tenham sucateado o SUS e eu ainda acreditando que é possível... Então sigo em frente, sempre rebelde, meio assim, fora do tempo. Como agora, nas nossas conversas. Saio de banda por uns dias e, quando decido dar uma espiadela no blog me bate a sensação de ter morado por uns dois meses no Alaska, quando nem pisei fora do Rio. Novidades mil! E culpas de novo, merda! Por tudo. Decido não bisbilhotar vocês para não cair na tentação, obviamente me descumpro e aqui estou. Atrasada, agora com meus estudos. Culpa por não estudar, culpa por não escrever, culpa por ler o que escrevem, culpa por estar escrevendo, culpa por esperar demais de mim mesma...
E o pior de tudo é o motivo desta crônica: alguém aí conhece o que é a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco? Pois bem, trata-se de um complô internacional instituído em 2003 contra nós, boêmios tabagistas, errantes e errados. E eu, para variar, atrasada, agora internacionalmente. Decidiram acabar com a nossa farra há alguns anos e eu aqui, escrevendo: Vamos transgredir? Lembram da Lei anti-fumo & al? Pois bem, tudo parte do acordo. Nem sei se quero transgredir mais, talvez me enquadre. Pelo menos enquanto não acaba o efeito da meia garrafa de vinho tinto que acabei de beber e do cigarro que fumarei agora.
Tchau.

6 comentários:

  1. Além de ser médica dedicada, você escreve muito bem.
    Nunca fumei, mas tenho alguns amigos fumantes (além de vocês, agora) e muita tolerância ao cheiro (tolerância afetiva, por causa do meu pai e do meu avô materno, que foram fumantes inveterados e muito amados).
    Não conhecia o decreto, Monica. Blog também é cultura: só hoje aprendi o significado de bacanália, que Hans é Thiago em alemão e sobre esse decreto...
    Entendo a sua "culpa"(já melhorei muito, mas também tenho o estigma do atraso).
    E fico devendo um texto "de verdade" para o blog...

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  2. Valeu pelo elogio, Madú.
    A referência ao vamos transgredir é uma crônica que escrevi na outra oficina com este título. A tarefa era escrever uma cronica sobre uma reportagem e escrevi sobre a lei anti-fumo. Não faço apologia ao cigarro, sei que faz super mal e eu mesma sou fumante ocasional, só funo (e muito) quando eu bebo, de resto passo dias sem cigarro.
    Quando escrevi o outro artigo, minha broca era mais com um movimento de "enquadramento", cuja melhor expressão é o "choque de ordem". Nada contra viver saudável, mas tudo contra não permitir que cada um faça suas próprias opções. E contra um certo ar de moralismo que vem por baixo. Acho que isso é resultado dos meus anos trabalhando e discutindo prevenção do HIV. Já ouviu falar na política do ABC preconizada pela Era Bush? Abstinência, "Be faith" e use condon. Ou seja, ou não transe, ou transe somente com o/a parceira e, em último caso, use camisinha. Como se a sexualidade não fosse muito mais complexa, como são os comportamentos e desejos humanos. Uma amiga resume a coisas assim: soluções fáceis para coisas complexas. Então agora é: não transe, não beba, não fume, só coma alfces & cia e seja feliz! Céus, quero me suicidar!!!!
    Por enquanto, aguardo Da Matta!
    beijo
    Monica

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  3. Moniquinha,
    Ainda bem que você olhou no espelho e se apaixonou pela ideia de recriar a sua vida a partir do material de demolição. E que material!
    Já fui obsessiva ao contrário. Mania de chegar pontualmente e achar que os outros deveriam ser como eu. Mas minhas rugas nâo apareceram em vão, aprendi a aceitar o outro. Vive la Diference! Bjs Miranda! Você sabe se Tio vavá vai? ele não respondeu o email!!!

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  4. Eu estava escrevendo um texto sobre culpa, estava nas primeiras linhas, tinha arquitetado mentalmente e estava iniciando a transcrição de horas pensadas. Porém depois de ler o seu texto fiquei na dúvida se continuo com o meu. Céus, o seu tem uma avalanche de informações, não sei se tive essa sensação pq li com 300 mil ligações interferindo, mas o sentimento final é de ui, socorro, quanta agitação. Imaginei você falando esse texto e gesticulando. Te senti plena aqui!
    beijos, Roseana

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  5. estava, estava e estava...
    que bom, agora não estou mais!
    que horror meu post.

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  6. Claro que tem que terminar de escrever o seu, quero ler também oras!
    beijo
    Monica

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