terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Resposta a uma mãe angustiada


O meu gosto musical é bastante eclético. Desde que não seja funk, e aí a minha zanga se dá especialmente pelas letras das músicas, feminista que se preza não tolera ver mulher tratada como hambúrguer, vale quase tudo. Exceções também às músicas feitas por atacado, sucessos de bandas que concorrem freneticamente ao prêmio de a-melhor-banda-de-todos-os-tempos-da-última-semana , geralmente do último verão. Feitas essa ressalvas, gosto de muita coisa diferente, de Bach a Raul Seixas, passando e dando uma paradinha em Pink Floyd, Yes, Queen, Beto Guedes, Adriana Calcanhoto, Zé Ramalho, Nei Matogrosso... Sem jamais esquecer nossos mestres Tom, Chico, Edu, Gil (não cito Caetano para ele não ficar ainda mais arrogante) e as bandas roqueiras que embalaram a minha geração anos 80. A lista é grande. Mas não é sobre música que quero escrever. Esse prólogo foi somente para não despertar a fúria intelectual de meus colegas de blog quando perceberem que hoje é “Tocando em frente” que me inspira, caipira no melhor estilo.
Penso realmente que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha, ir tocando em frente, grande frase. Acham pouco, compreender a marcha? Pois eu penso que é coisa pra caramba, demorei algumas décadas para descobrir isto. E aos poucos vou também aprendendo a andar devagar, a apreender o durante, sem tanta ansiedade para chegar. E também acho que quem acredita que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como a cereja, nada sabe a respeito das uvas (essa é atribuída a Paracelso). Tudo isso para dizer que hoje eu ando assim, meio sentimental. Culpa da Claudia, companheira de blog.
Aviso logo: os meus filhotes não estão viajando, estão por aqui, bem debaixo do meu nariz. Mas imagino como deve ser estranho ver as nossas crias criando asas e escolhendo os próprios caminhos. Imagino-me com aquele frio na barriga, quando me der conta de que estão fazendo tudo diferente do que eu faria. Não por “erro”, mas por buscar os seus próprios acertos. Não sou mãe super protetora, adoro a liberdade de escolher, e realmente me esforço para influenciar o mínimo as escolhas deles. Exceto para coisas fundamentais. Funciona mais ou menos assim: defino o que é prioridade, o que não posso deixar passar, e então estas coisas viram espécies de regra. Por exemplo, com licença, por favor e obrigado são fundamentais. Respeitar filas também. Escovar os dentes e tomar banho todos os dias. E respeitar cada um com suas especificidades. Disso não abro mão. Em resumo: respeito e regras básicas de educação e higiene. Outras coisas são completamente livres: Quer fazer ginástica olímpica ou judô? Futebol? Tudo bem! Quer colocar roupa azul ou verde? Prefere preta? Rosa? Ok, quem vai usar é você. O problema é que na maioria das vezes as situações se encaixam na zona intermediária, onde nem sempre cabe o sim e nem sempre cabe o não. E aí nós aparecemos, protetores disfarçados, e damos um empurrãozinho em direção à escolha que desejamos. Não é assim que acontece?
Pois bem, aí chega o dia deles baterem asas, e fazerem tudo o que fizemos, no nosso momento: escolhas certas e escolhas erradas, outras nem tanto assim, só diferentes das nossas, quebrarem a cara, sofrerem horrores, mas rirem horrores também, serem felizes e infelizes que ninguém é uma coisa só, amarem e gozarem longe da gente, tomarem porres homéricos e descobrirem o significado da palavra ressaca, experimentarem os seus próprios riscos, desejarem ou não, viajarem sem sair do lugar, cair em queda livre e levantar-se, rejeitarem e serem rejeitados... E quando isso acontecer, vai ser porque estarão construindo o seu próprio caminho, sua própria estrada. Uma espécie de bifurcação, que parte da nossa e chega ao infinito. Que ainda não aprendi onde fica. E não sei também agora se isso tem importância, já cheguei a tantos lugares e decidi mudar de rumo, sem arrependimentos, às vezes com um pouco de saudade, outras sem saudade alguma! Talvez isso seja o infinito, quem sabe. E revejo hoje, quase aos 50, o quanto fui boba quando jovem, tentando responder à ansiedade dos adultos que amo: o que você vai ser quando crescer? (O que eu vou ser quando crescer? O que quero fazer da minha vida? Qual a minha “vocação profissional”? ) Não sei, não sei, talvez não saiba até hoje, talvez não saiba agora, e daí? E o quanto sou às vezes boba já adulta, repetindo as mesmas perguntas, como um mantra, como se as respostas fossem únicas, como se a vida fosse uma só possibilidade, como se o mais importante fosse o ponto de chegada, verdadeiro, legítimo, definitivo. Como se tivéssemos as respostas.
Que as múltiplas possibilidades existam, que as respostas não sejam tão importantes, que o caminho seja belo, que a vida valha a pena.

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