Nos meses de outubro e novembro de 2009 um grupo de malucos se encontrou em uma oficina de crônicas na Estação das Letras, sob a batuta do mestre Felipe Pena. O prazer de estarmos juntos foi tão grande que, ao fim do curso, entre chopes e batatas fritas, resolvemos prosseguir, mesmo sem saber onde isso vai dar. De lá para cá nos encontrando semanalmente para ler textos, nossos ou não, discutir literatura e falar da vida... E claro, beber alguma coisa, que ninguém é de ferro.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Tio Vavá quer namorar
A vermelha de listras roxas ou a azul de bolinhas? Droga de dúvida, mulher é que entende de combinar roupa. Deixa ver: a calça é azul marinho, se colocar blusa também azul vai ficar esquisito tudo da mesma cor, mas vermelho e roxo também não dá! O Belarmino está certo, preciso mesmo de uma namorada. Diabos, cadê a blusa branca com listras cinzas, essa vai ficar boa, só falta não estar passada. Passar agora não dá tempo, Belarmino já deve estar chegando. Ah, está aqui. Agora vamos ver: sapatos pretos com meias pretas, loção pós-barba, desodorante, um perfuminho – não, vou ficar cheiroso demais, tudo misturado nem eu agüento. Deixa ver que horas são: seis e meia, legal, gosto de ficar pronto antes de todo o mundo, dá até para ensaiar uns passinhos, há séculos que eu não danço.
Quem será que vai a esse tipo de baile, baile da terceira idade? Só falta encontrar todo o bairro lá. Melhor é não pensar nisso que eu acabo desistindo, prometi ao Bela que dessa vez eu não deixaria furo. Mas como se faz num baile de terceira idade, a gente convida a dama para dançar, como no meu tempo? Agora é tudo moderno, mulher faz tudo igual a homem, será que vão tomar a iniciativa? E a música, meu Deus, imagina se começa a tocar esses funks, hip hops, raps de hoje em dia, nem sei como se dança isso e meus joelhos não agüentam, amanhã nem levanto da cama! Tem que tocar as músicas da minha época, Roberto Carlos & Jovem Guarda, Elisete, Caubi, uma beleza. Vamos ver, se for para dançar de rostinho colado tudo bem, ainda dou para o gasto, pelo menos vexame não vou passar!
E o Bela que não chega! Cinco para às sete, ele marcou às sete, ô povo para gostar de chegar atrasado! A gente ainda tem que andar a rua toda, é um estirão até o clube, ir de carro seria uma roubada. Ele disse que costuma encher, um saco para achar vaga, quando encontra têm os flanelinhas para levar uns trocados da gente. E de carro não daria para tomar umas geladas, sacanagem com o Bela, eu bebendo e ele olhando, seco. Será que devo ligar para ele? Já são sete, vai ver nem saiu de casa ainda! Droga, celular fora de área, telefone fixo não atende, ele deve estar a caminho. Bela, cadê você, seu puto?
E as meninas, que tipo de menina vai a baile de terceira idade? Pelo nome, terceira idade, devem regular comigo. O Zé me disse que eu tinha que arranjar uma gatinha, dessa todas malhadas, que moram na academia, mas não dá, não gosto de mulher musculosa, acho horrível. E depois, convido para jantar e ela me vem com rodízio de folhas! Deus que me livre. Eu gosto é de mulher de verdade, que olha nos olhos, sabe fazer um carinho, dançar juntinho de rosto colado, conversar, andar de mãos dadas pela rua. Se vamos a um restaurante, come com gosto um bom prato, me acompanha na cerveja e na branquinha, na feijoada dos sábados... Que não faz cara feia quando ganha uma caixa de bombons porque está de regime, pelo contrário, come com gosto, nem se tem que ir a festa de criança. Não me importa se é gordinha, gordura é excesso de gostosura, já dizia a minha mãe, nem precisa ser uma maravilha de bonita, mulher já é bonita por ser mulher! Há quanto tempo não tenho uma namorada assim, meu Deus, sei lá, já perdi as contas, a última foi a Carminha. Arranjar brotinho? Nem morto! Imagina só, ao invés de “tio Vavá” ser chamado agora de “tio Sukita”?! Deus que me livre! Cadê o Bela, cacete, já estou ficando nervoso, sete e quinze e nada, será que ele desistiu? Ou se esqueceu de mim? Eu mato o Bela, se ele me deixar na mão hoje, agora que fiquei animado!
Eu devia é ter comprado as flores como eu queria e o Bela não deixou, disse que era cafona, eu iria pagar mico chegando no baile levando flores, flores para quem, Vavá? Ora, para as damas, todas merecem flores! Não adianta, o tempo passa e eu continuo um romântico incurável, nasci e vou morrer romântico! Lenço...deixa ver...ah, está aqui, perfumadinho como deve ser. Sem lenço nem morto, dá que a dama precisa e eu não tenho, isso sim é que é pagar mico! Deixa eu aproveitar também e reforçar o desodorante, do jeito que já suei esperando o Bela daqui a pouco o desodorante vence.E aproveitar também para dar uma espiadela no visual, nunca é demais conferir para ver como as moças vão me olhar: nada mal, mas se eu estivesse caminhando como jurei que faria este ano eu já teria perdido esta maldita barriga, pelo menos um pouquinho, eu não nasci com ela, ela é que veio depois para me aterrorizar. Tudo bem que já está por aqui há uns 20 anos, mas agora que decidi dar cabo da maldita deveria ter cumprido a promessa de Ano Novo, mas agora também não tem jeito, para hoje vai assim mesmo, para o próximo baile eu capricho mais!
Ah, a campainha, Belarmino, filho de uma puta, até que enfim!
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Joãozito
ResponderExcluirQualquer semelhança com uma vingancinha não é mera coincidência!!!
Do seu
Noronha
Querida Mônica
ResponderExcluirBrava, Monica. Molto brava! As mulheres de todo o mundo estão redimidas. E eu quero ser o primeiro a te aplaudir. Além do mais, o teu comentário inicial, direto ao alvo, é primoroso. Porque a figura da mulher não poderia permanecer no nosso Blog da maneira como estava. Precisava de um desagravo, e você o fez de maneira encantadora. A figura da mulher nunca foi tão bem desenhada como nesta sua crônica: as meninas “rodízio de folhas”, a “mulher de verdade” com suas virtudes evidentes e sabendo que, antes de tudo, são feitas de carne e osso. E o veredicto final: “mulher já é bonita por ser mulher” , uma verdadeira jóia literária.
Li a sua crônica de um fôlego só,. Não dava tempo para respirar, tal o ritmo que você imprimiu ao texto. Tio Vavá está amadurecendo e é com orgulho que o vejo em nossa família. Estou certo que o nosso amigo João Carlos se dedicará a estudá-lo e traçará novos rumos para o seu senso estético. E você pode ficar tranqüila que eu me dedicarei a consolá-lo, sempre que for necessário. E ele levantará vôo, como quando era Ícaro.
De um deslumbrado Luigi
Valeu Moniquinha !
ResponderExcluirEsse Tio Vavá está melhor a cada dia !
Desta vez veio para nos redimir, não sei por que gostei mais dos elogios às gordinhas ? aushaushausha
Falando sério agora, você está acertando mesmo, desta vez o ritmo foi perfeito, deu tempo de respirar e prestar atenção nas palavras.
Falando nas palavras, foram bem escolhidas e completamente adequadas ao ambiente da crônica.
Adorei.
Beijos orgulhosos,
Eu que já era fã do tio vavá, agora estou apaixonada! Homem não precisa ser bonito, só precisa ser gentil e gostar das mullheres. De todas. E só namorar uma. Monica, gostei de tudo, cada vez gosto mais. Também adorei o apelido do Belarmino. Bela. Que doce! Isso é que é amigo. Beijos orgulhosos da Paçoca
ResponderExcluirCaramba, valeu pelos elogios! E que bom que aprovam o tio Vavá, ele está virando assim uma espécie de alter ego meu, e bem obediente! Nesse caso, falou exatamente o que eu penso. Adorei escrever esse texto.
ResponderExcluirJoãozito, não se acanhe, deixe sua opinião, pode me esculhambar de raiva!!! Brincadeirinha, viu, não gosto de ver você zangado, apesar de nunca ter visto!
beijos para todos, hoje vou dormir feliz e com uma geladinha na mão.
Monica Noronha
Se eu achava que não sabia escrever crônicas e contos, depois do comentário do Luigi "Estou certo que o nosso amigo João Carlos se dedicará a estudá-lo e traçará novos rumos para o seu senso estético.", não ficou mais nenhuma dúvida.
ResponderExcluirTenho que parar de escrever qualquer tipo de ficção.
O senso estético da minha redação parece que não agrada ao Luigi e talvez nem mesmo aos outros.
Pelo menos, DESTA VEZ, ainda acho que posso (e talvez consiga) comentar a sua crônica. Está muito boa, muito ágil e imaginativa.
Parabéns Noronha.
Meu querido João,
ResponderExcluirA exemplo da Paçoca, fui buscar um comentário lá do blog da Oficina
Caro Ícaro
Em uma palavra: magistral. Achei sua crônica uma obra prima. Gostaria de poder estender-me em uma crítica mais detalhada pois ela envolve problemas existenciais que merecem discussão. Fica para uma próxima oportunidade.
Em tempo: Você não precisa pedir asas para voar. Você já as tem.
Agora me diga: de onde você saiu?
Seu colega, espero, Severino
Você se lembra dele ?
Acho que o nosso Severino ainda remoe a crônica da Mulher Feia,por isso sugiro que abra seu coração e não leve a última crítica tão ao pé da letra.
Beijos mediadores,