segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

BEM ESTÁ O QUE BEM ACABA

Do alto da Vila Maria até a margem do rio Tietê caminhava-se uma meia hora. Alcançava-se a margem direita, à montante do rio, um lugar onde se formava uma pequena enseada. A areia acumulada pela correnteza na curva do rio sugeria uma pequena praia, subitamente interrompida por um barranco com cerca dois metros de altura. Nesse ponto o rio era profundo e ali fazíamos nossos mergulhos e saltos “ornamentais” dos quais saíamos, frequentemente, com as costas em brasa.
De vez em quando escapávamos todos de casa – uma patota de cerca 15 moleques entre os 8 e os 14 anos, eu estava aí pelos 10 – e íamos tomar banho no rio sem avisarmos nossas mães, obviamente. Não é preciso dizer que tomávamos banho completamente pelados. Deixávamos a roupa amufumbada no meio das moitas. Cada um sabia exatamente qual era sua posição.
Um dia foi um dia muito especial no nosso balneário. Fizemos apostas para ver quem conseguia atravessar o rio e, obviamente, voltar. Era preciso avaliar a força da correnteza para saber onde se iria parar, no lado oposto. Alcancei a outra margem no ponto previsto mas não esperava encontrar uma macega de juncos que me dificultaram o acesso à terra. Exausto, fiquei com medo de voltar. O tempo passava e eu calculava. E o tempo passava. Quando cheguei de volta não havia mais ninguém na pequena praia. Ainda vi o último menino quando enveredava pela trilha que conduzia ao centro do bairro.
Contemplei triunfante aquela correnteza, com um misto de medo e alegria.
Fui em busca da minha roupa. O lugar estava vazio.
Entrei em desespero. Não podia atravessar o bairro nu em pelo. Eu nada podia fazer a não ser chorar. E foi entre soluços que consegui divisar a silhueta de um dos meninos, meu vizinho de casa, que se aproximava. Trazia umas cartas de baralho na mão.
- Luis, estas cartas não são tuas? As que a gente jogava? Eu encontrei espalhadas no caminho.
E, vendo-me nu:
- Roubaram a tua roupa, è ? Foi por isso que jogaram as cartas fora!
- Toninho, corre lá em casa e pede a minha mãe pra mandar uma roupa. Que sorte que você veio.
Quando Toninho chegou lá em casa o sol já estava no horizonte. Encontrou minha mãe no portão da rua , aflita, olhando o infinito, à espera do filho.
Toninho aproxima-se hesitante e gaguejante:
- Dona Terezinha,... o Luis,... né...foi tomar banho no rio...né...
Dona Terezinha, catapultada, caiu de costas e desmaiou.
Quando cheguei encontrei minha mãe sentada na sua cadeira de espaldar ereto, imóvel, seus grandes olhos negros fixos no espaço. Sem dizer uma palavra puxou-me pelos ombros e apertou-me com força contra seu peito. Com tanta força que eu senti dor. E eu senti a dor do amor. Uma dor que eu sinto até hoje.

3 comentários:

  1. Meu querido amigo,
    Embarquei meu filho sábado para o outro lado do mundo e estou ansiosa por notícias que nunca vêm o suficiente.
    Estou com a dor do amor de mãe ! Aí ao abrir o blog e ler a sua crônica, me acabei de chorar.
    Nem vou comentar o resto...

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  2. Bom, não chorei, mas bem posso imaginar como sua mãe se sentiu. Quando meu filho tinha uns 3 anos ele mergulhou de cabeça nas pedas da orla da Lagoa, debaixo do meu nariz. 19 pontos na cara, mas nos segundos até eu entender que ele não havia morrido nem quebrado o pescoço...quando pulei e vI A Criatura toda ensanguentada mas se movendo nasci de novo. Sem dúvida, a pior experiência da minha vida.
    Meu caro, saiu Severino e entrou o Luigi? O texto texto está ótimo, como sempre, mas diferente dos outros, pela primeira vez vc se refere à SP e o texto tem outro ritmo...
    Monica Noronha, estreando a carreira de crítica literária!!!

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