domingo, 24 de janeiro de 2010

Conversa entre Amigas


Conversa entre Amigas


Estávamos sentadas num barzinho e ela me veio com essa história.

Quando nasci, suspeito que fui recebida por minhas cinco irmãs com uma certa decepção disfarçada, obviamente, em alegria. Segundo soube depois, todas chamavam a menina que crescia dentro do ventre de minha mãe de Renatinho, pois tinham certeza que ali estava, finalmente, o irmãozinho tão esperado. Meu nome, Paula, foi escolhido meio de improviso, por elas, assim que o médico anunciou a chegada de outra menina, na sala de espera, onde aguardavam ansiosas com meu pai.

Como eram bem mais velhas do que eu,tinham um universo feminino, consolidado e próprio, no qual raramente me incluíam. Eu ficava ao mesmo tempo curiosa e desapontada, diante de misteriosos e rumorosos quartos, sempre de portas fechadas, que quando eu os adentrava, tornavam-se discretos, monótonos e por vezes carrancudos.

Uma combinação entre meus pais, que viram o conflito que se instalara, fez meu pai adotar-me como sua fiel companheira e a levar-me por passeios que iam desde jardim zoológico a estádios de futebol, que podiam ser também campinhos de várzeas. Foi assim que aquela menininha deslocada, desde cedo, aprendeu a gostar de futebol. Virei vascaína em consideração a ele, mas como ser chamada de bolão do Vasco não era um apelido de que me orgulhasse, um dia, muito chateada, pedi-lhe que me deixasse torcer pelo América. Ele, sorriu paciente e levou-me para assistir a uma partida do América no Maracanã, que perdeu de 3 x 0 para o adversário. Na saída, ao ver minha decepção, comprou-me uma bandeira vermelha com um AFC escrito em letras brancas. Afinal, eu tinha minha própria identidade, minhas irmãs eram tricolores como minha mãe, meu pai vascaíno, eu era América!

Com o passar dos anos casei-me com um tricolor e, já que meu time de coração, nesta época mal existia, só pude assistir meus filhos tornarem-se Fluminense. Torcia com eles todas as vezes que o time jogava, sempre com um certo pudor, pela minha extrema traição ao “ Mequinha”.

Este ano quando América ascendeu ao primeiro grupo do campeonato carioca, depois de anos e anos na terceira ou quarta divisão, aquelas primeiras lembranças vieram à tona por um acontecimento transbordado de afetividade.

Anunciei lá em casa cheia de excitação em meio a olhares enviesados

-Vou ver meu Mequinha jogar de novo no Maracanã !

Mas no meio da semana, meu ânimo arrefeceu quando os ingressos acabaram para o jogo de domingo.

No sábado à tarde, meus filhos chegaram em casa alegres e falantes com 4 ingressos na mão;

– Mãe! Conseguimos arrumar uns ingressos , vamos todos juntos ver estes estranhos seres que torcem pelo América.

E a gargalhada foi geral.

No domingo quase não continha minha emoção quando, todos vestidos de vermelho, em minha homenagem, chegamos ao portão principal do estádio já lotado. Tentei segurá-los para não se perderem, mas logo percebi que eles é que estavam mais preocupados com minha segurança.
No entanto, uma lembrança inoportuna e inadequada desordenou aquela situação; subitamente, lembrei-me de meu Pai. Acomodamo-nos na arquibancada e a alegria da torcida, só trazia a imagem do primeiro jogo do América, que o velho me levou, quando decidi mudar de time. Tudo a minha volta me sensibilizava e caí em prantos, ali mesmo no meio da multidão. Não tinha o que explicar, não tinha o que falar, não tinha o que fazer. Era o choro intempestivo da lembrança do dia , que eu com uma mão segura por sua mão forte enquanto com a outra balançava a bandeira do América, me descobri, incluída no vasto mundo que me esperava, a minha vida. E Meus Deus, eu nunca agradeci isso ao meu Pai !

Quando o time entrou no gramado com suas camisas vermelhas, olhei para meus filhos e tive certeza que aquela alegria, que fizeram questão de compartilhar comigo, era o resultado de todo o respeito que eu lhes doara até então, e se fui capaz de conduzi-los assim, devo a exemplos que tive de meus Pais. Senti um enorme alívio tomar conta de mim,ao me dar conta de que ,verdadeiros indivíduos não precisam de agradecimentos, descansam apenas em perpetuar a sabedoria as suas descendências ou a seus discípulos.

Depois de me contar isso, pedimos outra Coca-Cola e um prato de batatas fritas.


Claudia Bontempo

4 comentários:

  1. Meu querido Luigi,
    Ouvi essa história de alguém, ou inventei que alguém me contou, ou sonhei... sei lá... nem me lembro mais.
    Mas vale para você esse finalzinho, pois esses dias estava pensando em como agradecer tanta gentileza e dedicação sua com o grupo.

    Um agradecido abraço.

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  2. Querida Claudia
    Sua crônica me comoveu. Como você sabe o relato de memórias é uma forma de escrever que sempre defendi, acreditando nelas, apesar da opinião contrária de muitos mestres os quais alegam serem elas todas inventadas. Vejo que você aderiu ao estilo, prestando, querendo ou não, uma homenagem ao velho Severino. A narrativa na terceira pessoa, habilmente montada, não me convence. Acredito na sua torcida por um time no qual ninguém acreditava. Acredito no carinho demonstrado por seu pai. Acredito na dedicação e desprendimento dos seus filhos para dar um pouco de alegria à sua mãe. E acredito na veracidade do seu relato, mesmo que ele tenha sido inventado. Ele é o seu estilo. Um estilo que revela disponibilidade, generosidade e solidariedade, qualidades que ajudaram este seu admirador a construir um Severino de carne e osso, e permitiram que ele continuasse a escrever até hoje. Com muito afeto,
    Luigi

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  3. Querida Cláudia,
    fui até o blog da estação das letras para copiar este comentário:
    "Que assombro! Já é a segunda vez que me espanto, me emociono e fico orgulhosa de ter como colega de oficina um escritor do seu talento" Que cabe muito bem a você também. Quanto mais leio mais gosto. bjs da Paçoca

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  4. Dessa vez quem ficou emocionada com o texto fui eu...
    Parabéns, querida
    Beijo
    Noronha

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